Jovem que se tentou suicidar expõe carências dos hospitais algarvios

Foto
Hospital de Portimão não possui especialidade de pedopsiquiatria, motivo que levou à transferência para Faro Foto Virgílio Rodrigues

Um jovem andou a circular entre Portimão e Faro, de ambulância, porque ninguém sabia se deveria ser internado na Psiquiatria de crianças ou de adultos. Acabou a tentar suicidar-se do telhado do hospital.

No Algarve não existe Serviço de Pedopsiquiatria. A., de 17 anos, andou de ambulância entre o Hospital do Barlavento (Portimão) e o Hospital de Faro, porque não sabiam se devia ser identificado como adolescente ou adulto. O jovem sofre de uma grave depressão, esteve por duas vezes à beira do suicídio e aguardou mais de uma semana para ser internado no Serviço de Psiquiatria de Adultos.

A mãe de A. recebeu, no domingo à noite, um telefonema do Hospital do Barlavento que a deixou à beira de um ataque de nervos. "O seu filho anda em cima do telhado do hospital", disseram-lhe. Cerca de uma hora antes, A., internado desde 10 deste mês nas Urgências daquela unidade hospitalar, ligara-lhe a dizer: "Não aguento mais". O filho tentava, de novo, pôr termo à vida.

A mãe, moldava, não percebe como foi possível o rapaz ter fugido da maca e alcançar o topo do edifício de seis pisos. O rapaz completa 18 anos em Novembro, frequenta um curso de formação profissional na área da pastelaria, mas desde os oito anos - altura em que veio da Moldávia para Portugal - que vive num contexto de violência doméstica. Usa cabelos longos, a cobrir parcialmente o rosto. "Ele tem acne, não gosta que vejam as manchas", justifica a mãe, acrescentando que descobriu, recentemente, que o jovem se auto-mutilava nos braços e nas pernas: "Tem marcas acentuadas", diz.

A fuga terá acontecido quando aproveitou um momento de distracção do segurança. A primeira vez que tentou pôr termo à vida foi no dia 10. Estava sozinho em casa. Antes de ingerir comprimidos, escreveu uma carta a pedir desculpa à mãe e à irmã, de 13 anos, explicando que a força que o empurrava para a morte era "mais forte do que ele". Sentiu-se mal e acabou por chamar o INEM.

No Hospital do Barlavento, onde foi assistido, ficou internado nas Urgências/sala de decisão médica clínica. "Quase todos os dias via morrer gente ao seu lado", conta a mãe, que passava as noites ao pé dele, numa cadeira. O ambiente não seria o mais adequado a um doente do foro psiquiátrico, mas não reclamou. No dia seguinte, o jovem foi mandado para internamento no Hospital de Faro, mas veio de volta, depois de medicado.

Uma idade transitória

Gabriela Valadas, directora clínica do Hospital do Barlavento, explica que a unidade não possui a especialidade de Pedopsiquiatria, só possui internamento em Psiquiatria de Adultos. Ora, acontece que o rapaz "se encontra numa fase transitória em termos de idade (entre adolescente e adulto)". Por isso, justifica, foi transferido para a capital algarvia, porque o Hospital de Faro "está na rede de referenciação de Psiquiatria da Infância e Adolescência".

A mãe conta que, em Faro, lhe disseram que a partir dos 16 anos e meio são internados "como adultos" e que "Portimão pode fazer o mesmo". Por conseguinte, após ser observado por um pedopsiquiatra, o rapaz regressou às Urgências de Portimão, onde esteve mais de uma semana, até fugir para o telhado do hospital, de onde seria retirado por um segurança.

A. foi levado, de novo, para Faro. A directora clínica da unidade de Portimão adianta que "o Serviço de Psiquiatria de Adultos considerou, na altura, não possuir as condições ideais de internamento de um jovem daquela idade". No entanto, após recusa de internamento em Faro, o Hospital do Barlavento reconsiderou. Gabriela Valadas esclarece que a direcção clínica e o Serviço de Psiquiatria entenderam "efectuar o internamento do jovem no seu serviço", depois de "atenta análise do caso e ponderação". A mãe do jovem não percebe a confusão: "Na Urgência, foi colocado ao lado dos adultos, mas, para ser tratado na Psiquiatria, consideram que era uma criança".

Faltam médicos no Algarve

O Hospital de Faro não carece apenas de um Serviço de Pedopsiquiatria. "Todas as especialidades têm vagas no quadro", diz o presidente do conselho de administração, Pedro Nunes (na foto), ex-bastonário da Ordem dos Médicos, acrescentando que só existe um pedopsiquiatra que "dá apoio à Psiquiatria". As lacunas fazem-se sentir em várias áreas, como a Obstetrícia e a Oftalmologia. "O Algarve precisa de especialistas", sublinha.

O ministro da Saúde, Paulo Macedo, no encontro da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, subscreveu na semana passada as preocupações, salientando que é necessário "colocar os médicos onde fazem falta". O Algarve, reconheceu, é das regiões que carecem de clínicos.

Sugerir correcção
Comentar