Movimento quer iluminar quarto escuro dos partidos, mas a poesia fugiu para a rua

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Manifestação da "geração à rasca" transformou-se no Movimento 12 de Março Foto: Daniel Rocha

Os candidatos a deputados dos vários partidos andam há semanas a apelar ao voto. Tentam convencer os eleitores a saírem de casa no domingo, para votar. O desinteresse é, afinal, um dos grandes desafios da democracia. Em Portugal, a tendência da abstenção é para aumentar. O que levanta uma questão: será nas eleições – autárquicas, legislativas, presidenciais, europeias – que se fazem as escolhas decisivas?

João Nogueira Santos identifica um outro momento “fundamental” para a democracia, que regista participações residuais: as eleições internas dos partidos políticos. Este gestor de marketing de 39 anos fez as contas e chegou à conclusão de que apenas 0,65 por cento da população portuguesa participou na eleição dos actuais líderes de PS e PSD, os dois partidos com maior expressão no Parlamento.

A comparação com a realidade norte-americana – nas primárias de 2008, a escolha dos candidatos presidenciais democratas e republicanos foi feita por 18 por cento da população dos Estados Unidos – levou João Nogueira Santos a concluir que, em Portugal, o primeiro problema para uma escolha verdadeiramente democrática está no distanciamento que as pessoas mantêm em relação aos partidos.

Há cerca de um ano e meio, fundou o “Adere, Vota e Intervém dentro de um Partido. Cidadania para a Mudança”, um movimento cívico que resume no nome todo o seu programa. João Nogueira Santos filiou-se no PS, uniu-se a um militante do PSD e publicitaram a ideia. Em pouco tempo, o projecto passou a contar com pessoas do CDS, do Bloco de Esquerda e do MEP. Em Maio de 2010, levaram a ideia às TEDx Lisboa.

“A receptividade tem sido muito boa. As pessoas percebem a ideia de que a responsabilidade pela qualidade dos partidos e políticos depende, essencialmente, da acção e escolhas dos cidadãos dentro dos partidos”, explica o gestor ao PÚBLICO. Os partidos, defende, “precisam desesperadamente de ter uma imensa maioria de filiados que sejam cidadãos com vida e profissão fora da política, capazes de eleger melhores dirigentes e lideranças e afastar os piores”.

A ideia resume-se num verso: “Todos temos culpa, e a nossa culpa é mortal”, parafraseando o poeta António Gedeão. (No movimento, prefere-se Platão para citações de belo efeito: “A penalização por não participares na política é acabares por ser governado pelos teus inferiores”.) O objectivo é promover uma adesão em massa aos partidos, para que a cidadania se exerça dentro do sistema. “É fundamental que os cidadãos tenham peso político, capacidade de eleger e influenciar os decisores políticos sensíveis aos seus problemas. Esta é a nossa grande fraqueza”, sustenta o socialista.

M12M, a contracena popular

O desapego pela política é amiúde associado aos jovens. No entanto, o que se tem verificado nos últimos meses é que esta franja da população está mais descontente que desinteressada. A 12 de Março, a “geração à rasca” levou à rua centenas de milhares de manifestantes. Exigiam melhores condições de trabalho e “aprofundamento da democracia”. Já em Maio, voltaram mesmo a acontecer assembleias populares em Lisboa, no acampamento do Rossio.

Da manifestação de 12 de Março saiu o Movimento 12 de Março (M12M), projecto apartidário que andou nas últimas semanas a debater política, num ciclo de debates organizado com a Associação 25 de Abril. Joana Manuel, docente universitária que, em representação do M12M, fez parte do painel permanente dessas discussões recusa que a adesão em massa aos partidos seja a única forma de enriquecer a democracia.

“Os partidos cumprem uma função, consagrada na Constituição, e essa função deve ser participada e escrutinada, naturalmente. Mas a nossa acção concentra-se muito mais num reanimar da cidadania activa do que na discussão acerca da dinâmica dos partidos”, sublinhou, em declarações ao PÚBLICO. “Somos todos necessários, e há caminhos diferentes que têm de ser trilhados em simultâneo.”.

“Para o colocar de um modo mais cru, a saída à rua de 300 ou 400 mil pessoas (não podemos esquecer que houve concentrações frente a várias embaixadas portuguesas e essas pessoas merecem também ser contabilizadas), essa mera tomada do espaço público, foi em si uma recusa desta democracia formal que parece querer reduzir-nos ao acto eleitoral ou à filiação num determinado partido ou ideologia”, analisa.

João Nogueira Santos contrapõe: “Quando temos os principais partidos envelhecidos, vazios, e o grupo de cidadãos mais qualificado, dinâmico e esclarecido da nossa sociedade não tem qualquer participação dentro deles, é impossível que os partidos consigam eleger os melhores, renovar-se, incorporar ideias de fora. Não se fazem omeletas sem ovos...”

“Depois do debate, há que passar à acção. Reunir forças para fazer eleger dirigentes, lideranças, candidatos e programas que representem as mudanças que defendemos. Estas escolhas decisivas só se fazem nos partidos que concorrem a eleições. É nos partidos que se decide o que é verdadeiramente importante na política”, argumenta.

“Os partidos são uma peça importantíssima do puzzle democrático”, concorda Joana Manuel. “Desde que isto se mantenha um puzzle, e não um jogo de berlindes em que os partidos funcionam como abafadores.” A professora universitária recorda que “o M12M enviou a 17 forças políticas diversas questões relacionadas com o aprofundamento da democracia e com a precariedade. O objectivo era divulgar as suas propostas e ajudar a promover um voto mais informado”. “Até hoje não recebemos nenhuma resposta.”

“Interessa mais ao M12M seguir atentamente a acção, meritória e necessária, do ‘Adere, Vota e Intervém’, por exemplo, mas continuar concentrado na melhoria da cidadania activa extra-partidária”, nota Joana Manuel. “Mas sente-se que o apelo foi ouvido [da manifestação da ‘geração à rasca’] quando se vê a multiplicação de iniciativas e movimentos, como o ‘Adere, Vota e Intervém’, como tantos outros que nasceram já depois do 12 de Março ou que nesse dia encontraram novo alento e novos caminhos para fazer. Apetece dizer que a poesia voltou à rua.”

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