Ligar salários do Estado à produtividade levanta dificuldades

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Em regra, aumentos salariais são definidos tendo em conta as previsões da inflação para o ano seguinte Paulo Pimenta

Indexar os salários da função pública à produtividade poderá não ser fácil. A ideia hoje avançada por Pedro Passos Coelho até recolhe adeptos, mas é preciso saber como pô-la em prática, uma resposta que o próprio líder do PSD parece não ter. Antes de mais é preciso definir quais os critérios que devem servir de base à avaliação dessa produtividade.

“Não é difícil afirmar que os aumentos de vencimentos devem ter por base a produtividade do trabalho, o problema é como calcular essa produtividade no sector público de forma aceitável como hoje é, por exemplo, o cálculo do PIB”, questiona João Bilhim, presidente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), que defende que ainda assim o esforço deve ser feito.

João Cerejeira, economista e professor na Universidade do Minho, também admite que pode haver dificuldades em pôr em prática tal medida na Administração Pública.

A forma mais simples, realça, seria aplicar a média da produtividade nacional também à função pública. Mas se a ideia passar por fazer depender os salários da produtividade de sectores específicos, então a situação complica-se. “Enquanto numa área como a Justiça é fácil estabelecer critérios, noutras, como a Defesa, em que o bem público é mais difuso, torna-se complicado”, realça em declarações ao PÚBLICO.

Apesar das dificuldades, João Bilhim lembra que existem técnicas que construir os indicadores. O responsável pelo programa de reestruturação do Estado (PRACE) lançado em 2005 sugere que se use o Quadro de Avaliação e Responsabilização que os serviços têm que preparar anualmente para definir alguns critérios que permitam avaliar a sua produtividade. “O sistema tem de nos dar indicadores do estilo: de quantos trabalhadores precisa a Direcção-Geral dos Impostos para reduzir a fila de espera nos serviços locais de finanças em um minuto; comparar a produtividade de um escritório de advogados com uma direcção de serviços jurídicos e de contencioso de uma determinada direcção-geral e saber qual é mais produtiva”, sugere.

Em caso de “desespero” - que é como quem diz caso esta “revolução” não seja possível - Bilhim admite que pontualmente seja usada a média da produtividade nacional.

Do lado sindical, o presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos (STE) receia que por detrás da proposta social-democrata esteja uma tentativa de baixar os salários. “O busílis da questão é saber como se vai medir essa produtividade”, e quais as consequências das medidas previstas no memorando da troika de redução de organismos públicos e do número de funcionários. “Espero que não se esteja a desinvestir na Administração Pública para depois se alegar uma redução da produtividade e baixar ainda mais os salários”, alerta Bettencourt Picanço, presidente do STE.

Em regra, os aumentos salariais dos funcionários públicos são definidos pelo Governo tendo em conta as previsões da inflação para o ano seguinte que, na maioria dos anos não se confirmam, acabando os trabalhadores por sofrer perdas de poder de compra. Outro dos critérios é meramente político ou conjuntural. O último exemplo ocorreu em 2009, ano de legislativas, quando o Governo de José Sócrates decidiu dar um aumento de 2,9 por cento, bem acima da inflação.

A ideia de indexar os salários à produtividade faz parte do memorando de entendimento assinado entre o Governo português e as instituições internacionais. No documento resulta claro que o Governo vai criar um esquema que permita “ajustamentos salariais de acordo com a produtividade ao nível das empresas”, uma medida que, a julgar pelas declarações de Passos Coelho deverá estender-se também à Função Pública.

Porém, nos próximos dois anos pelo menos, a palavra de ordem é congelar os salários, pelo que qualquer mudança só será válida para o futuro.

Hoje o líder do PSD defendeu que os aumentos salariais em Portugal devem ter como critério principal a produtividade, em detrimento da inflação, incluindo na Função Pública. Questionado sobre a forma como se poderá medir a produtividade no sector público, Passos Coelho admitiu que isso “não tem uma resposta simples”. Mas “de certeza” que “há formas de medir a produtividade na Administração Pública”, concluiu.

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