João Nuno Martins: Por que é que NÃO VOU participar no protesto da "geração à rasca"?

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Ilustração de Nuno Saraiva

Nome: João Nuno Martins
Idade: 38 anos
Residência: Lisboa
Profissão: Produtor Artístico

Preciso esclarecer, antes de mais, que sinto tristeza por não me poder juntar à manifestação de dia 12. Tristeza porque, apesar de me sentir revoltado por ver o nosso país ser saqueado por uma classe política e financeira sem escrúpulos, que despreza as necessidades mais elementares dos cidadãos, e que se aproveita do nosso esforço, não me revejo minimamente no texto do manifesto que norteia esta manifestação nem nas patetices infantis e demagógicas que tenho ouvido da boca de ALGUNS dinamizadores do protesto. Tristeza também porque sinto um enorme desejo de me manifestar seriamente e exigir mudanças concretas na nossa governação, mas não me parece que seja isso que este movimento quer. A verdade é que nem o movimento, ele próprio, sabe o que quer.

Sinto que é tempo de mudar, de lutar pela mudança, de fazer ouvir a voz de um povo que está farto de fazer sacrifícios para sustentar um sistema que apenas se interessa por si próprio. Mas mudar mesmo, de raiz, a sério. Acabar com um sistema que nos exige esforço e sofrimento, enquanto aqueles em quem depositamos a nossa confiança vivem na abastança, exibindo uma vida sumptuosa sem o menor pudor. É preciso mudar, reformular o sistema democrático (?) que temos, que nos pede o aval uma vez de quatro em quatro anos e nos ignora absolutamente o resto do tempo. É preciso mudar. Rever e ajustar os vencimentos dos detentores de cargos públicos. Acabar com as regalias principescas, com os carros e motoristas, com as ajudas de custo palacianas, assessores e adjuntos e secretárias. Acabar com centenas de Institutos Públicos e Fundações Públicas que não servem para nada e, têm funcionários e administradores com salários irreais. Acabar com a possibilidade da transição de mandatos de governo para conselhos de administração de grandes grupos económicos. Acabar com o sigilo bancário de detentores de cargos públicos. Acabar com a impunidade. Enfim, acabar com o escândalo que tem sido a governação deste país e mudar as regras do jogo para que nas próximas eleições os novos candidatos saibam que a fonte de riqueza e estabilidade vitalícia que eram a governação e o poder, acabaram de uma vez por todas neste país. Mudar, mudar, mudar.

Quero ver no poder gente que trabalha a sério. Gente competente com princípios e valores sólidos. Gente qualificada, com visão global e consciência colectiva. Gente séria e responsável.

Mas esta mudança que eu desejo nunca acontecerá se não soubermos e estivermos absolutamente convictos do que queremos. E acima de tudo não se fará se não tivermos consciência de que temos que ser nós os primeiros a mudar. Cada um de nós. Na sua casa. No seu condomínio. No seu emprego. Na sua cidade. Na sua Rua. No seu grupo de amigos. No seu íntimo. Na sua mentalidade.

Uma mudança de atitude é necessária antes de tudo. É preciso acabar com o laxismo e a ideia de que alguém tem que resolver os nossos problemas por nós. É necessário que acabemos com as cinco pausas para café a meio da manhã e outras 6 da parte da tarde. É preciso acabar com a convicção absoluta de que o ideal é sermos jovens e termos um emprego estável como os nossos pais. De que o bom é comprarmos um apartamento o mais rápido possível e hipotecarmos a nossa mobilidade nos próximos anos. Acabar com a ideia de que emigrar é uma coisa má – é irónico termos sido nós os pioneiro da emigração à escala planetária e estarmos espalhados por todo o Mundo, e agora… É preciso acabar com a ideia de que ter um curso superior nos concede o direito supremo e inalienável a ter um emprego estável e bem remunerado na área que estudámos, porque sim, porque somos licenciados e mestres e doutores. Que estudar é um sacrifício que tem que ser recompensado pela sociedade por oposição à ideia de que estudar é um privilégio e uma formidável fonte de riqueza pessoal. Precisamos acabar com o “chicoespertismo” português, do jeitinho, da transgressãozinha, da subversão das regras, do “o senhor sabe com quem está a falar?”, da corrupção que atravessa as instituições de alto a baixo, da falta de civismo, da falta de educação. É preciso acabar com a falta de auto-responsabilização.

Os jovens de hoje ambicionam desmedidamente a estabilidade imediata. Eu não entendo esta perspectiva. Às vezes parece-me que os jovens de hoje já nasceram velhos. Ou então sou eu que nunca deixarei de ser uma criança… Dos 17 até aos 30 anos fui trabalhador precário, aliás trabalhador estudante precário, e sempre me assustou a ideia da estabilidade, do emprego fixo e do compromisso laboral com um patrão. Necessitava sentir-me livre, viajar, ver o Mundo e aprender, aprender, aprender. A angústia que sentia com a falta de perspectivas imediatas foi sempre atenuada pela forte esperança e fé em mim próprio e nas minhas capacidades de trabalho. Tirei um curso superior na perspectiva de desenvolver ferramentas para a vida, essencialmente ferramentas de aprendizagem. Nunca acreditei sinceramente que conseguiria um bom emprego quando acabasse o curso. E não esperei por isso. Levei o dobro do tempo a tirar o curso porque ao mesmo tempo trabalhava muito e viajava e vivia e enriquecia-me como pessoa. Tive períodos em que ganhava muito dinheiro pelos trabalhos que ia fazendo e outros de grande privação tendo que recorrer muitas vezes à ajuda dos amigos. Foi nesses momentos de privação que mais me esforcei e que me surgiram as melhores ideias e o estímulo para dar a volta à situação. É a vida. É a juventude. Juventude é precariedade, dúvida, instabilidade, incerteza, angústia… mas também é esperança e esforço, ânimo, desejo e ambição e acima de tudo coragem. E foi esta coragem que me levou, aos 30 anos, a abrir uma empresa e arriscar na área em que me sinto mais feliz. Não, não tive apoios nem subsídios nem nada que se pareça. E não, também não há dinheiro na minha família, nem cargos importantes. O meu avô materno era padeiro e o paterno lavrador. Não tive apoios na época e nunca os tive até hoje. Tenho 38 anos, continuo a viver com precariedade e angústia, incerteza, dúvidas e instabilidade, mas também continuo a acreditar no meu país e em mim próprio, no meu valor, nos meus princípios, na minha capacidade e competência, com ânimo e coragem. E não desisto apesar de às vezes parecer que o Mundo inteiro está contra mim. Aprendi que a vida contém todas estas cores e moldei-me, adaptei-me até aprender a ser feliz assim, com estes sentimentos todos à mistura. Até aprender que a vida é aqui e agora. Que é instável e às vezes precária. Aprendi a ter consciência de que quando estamos em baixo a probabilidade maior é a de irmos para cima a seguir, mas isso depende de nós. E que quando estamos lá em cima existe a real possibilidade de irmos lá parar abaixo de novo, e isso às vezes não depende de nós. A minha empresa já empregou dez pessoas, hoje emprega apenas duas. A crise tem afectado tremendamente a minha actividade desde 2008 mas eu não desisto. Os últimos dois anos em particular têm sido um verdadeiro inferno. A crise económica quase destruiu tudo o que consegui criar nos últimos oito anos Continuo aos trinta e oito com a mesma postura que tinha aos vinte. Encaro as dificuldades de frente e não conto com a ajuda do estado nem das instituições para me resolverem os problemas. Mas também não ponho de lado a hipótese de mudar radicalmente a minha vida, de mudar de profissão ou emigrar. O problema deste país não sou eu nem as minhas necessidades. Não é a minha instabilidade e a minha angústia. O problema é outro e eu posso participar na solução.

Não me junto à manifestação de dia 12 porque está sustentada em ideias que promovem divisões profundas numa questão que deveria ser unificadora e unânime. Veja-se o número de pessoas que diz no FB que não vai à manifestação e compare-se com o número das que vão. Este é um momento que deveria juntar todos os portugueses sem excepção. Porque acredito que o descontentamento é geral e transversal a todas as classes sociais, profissionais e etárias independentemente do seu nível de formação académica. E não se deveriam erguer bandeiras egocêntricas e ingénuas. Devia ser um momento colectivo de reclamação do povo e não o momento da geração não sei quê… (fazem-me urticária os nomes que já ouvi chamar a este movimento).

Não concordo com a afirmação de que os jovens estão particularmente mais prejudicados nesta crise do que os restantes portugueses. Acho que estão em vantagem, por serem mais qualificados e por serem jovens. O desemprego cresceu proporcionalmente em todas as classes. Mas também acho natural que os jovens tenham mais precariedade laboral que os mais velhos. E que os licenciados sintam mais dificuldade em arranjar o ambicionado emprego na área que estudaram e que lhes foi prometido como um el dorado. A ideia do “estuda filho estuda para teres um bom emprego” continua enraizada e este movimento contribui para valorizar e estimular esta atitude perante a educação. Não entendo a questão dos falsos recibos verdes. Para haver esta situação tem que haver quem os passa e quem os recebe. E se quem os recebe, depois de ter aceitado o acordo e ser cúmplice de uma irregularidade, acha que está ser injustiçado tem uma solução. Vai ao tribunal do trabalho pedir o reconhecimento do estatuto de trabalhador dependente. Mas tem que se mexer e isso dá trabalho… Não aceito embarcar no discurso do desgraçado e das dificuldades. Ouvi isto a minha vida inteira. As dificuldades. O mundo assustador. Fui educado e formatado para aceitar ser remediadozinho, com um empregozinho, e uma vidinha. Mas não foi isso que eu quis para mim. O português abriga-se na conversa da dificuldade para evitar enfrentar a vida e as dificuldades com a cabeça levantada. O medo que herdámos de outros tempos?

Há um movimento que exige a regeneração de toda a classe política (isto sim é uma reivindicação concreta, concordemos com ela ou não) que tenta juntar-se ao movimento da geração à rasca e os representantes deste movimento trataram imediatamente de esclarecer que não têm nada a ver com aquelas reivindicações nem com aquela gente. O sistema agradece! É preferível uma manifestação apartidária, laica e sem reivindicações. Até o nosso querido Presidente da República, qual paizinho orgulhoso, apadrinhou ontem a iniciativa e motivou os jovens a fazer ouvir a sua voz. Porque já entendeu que a voz dos jovens portugueses é uma voz oca e inócua.

Ninguém nos virá salvar. Não vale a pena irmos para a rua com folhas A4 cheias de lamúrias. Não vale a pena entregar toneladas de papel na Assembleia da República. Ninguém vai ler. Ninguém vai dar atenção. É simbólico, bonito, mas inconsequente. Esta manifestação sem objectivo concreto, sem reivindicação concreta, apenas com lamentações, não serve para nada. Aliás, corrijo, serve para uma coisa. Serve para aumentar nos manifestantes o sentimento de vitimização e de falta de responsabilidade e, no Portugal profundo, o injusto sentimento de desprezo em relação aos jovens licenciados. E ajuda a consolidar e legitimar nas mentes dos mais jovens muitas ideias feitas que eu me recuso a subscrever.

Vamos para a rua exigir um verdadeiro sistema democrático e de governação, com novas regras para todos os portugueses? Eu vou à frente!

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