Manuel M. Carrilho: "Precisamos de uma nova República, e se calhar de um novo PS"

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Foto: Rui Gaudêncio
Está disponível para apresentar uma moção de estratégia global ao próximo congresso do PS? A sua disponibilidade para ir ao conclave depende de quê?

Precisamos de ideias novas, e só através do debate é que elas poderão surgir. Hoje sou um simples militante de base do PS e a intervenção pública que tenho tido - que procuro que seja o mais fundamentada e construtiva possível - é a que me parece mais adequada para ajudar o país a resolver os seus gravíssimos problemas. E regressei este mês à minha vida universitária, é um recomeço muito exigente em que estou muito empenhado.


Defende ser necessário fazer o balanço das governações do PS e repensar o "socialismo moderno". Que avaliação faz dos governos de José Sócrates?

O balanço devia ser um imperativo do chefe do Governo, que se deveria traduzir em conferências de imprensa abertas e regulares, como fazem Angela Merkel ou Barack Obama. O meu balanço só pode ser breve: há aspectos positivos, como a reforma da Segurança Social, a política das energias renováveis, alguma desburocratização e - apesar dos seus muitos equívocos - a política de ciência. Mas também há, e muitos, aspectos negativos: o pior vai para a Justiça, que se transformou numa ameaça real para a nossa democracia e economia. Mas há que destacar também a educação, em que a aposta no "betão escolar" não salva a política ruinosa destes seis anos.


A economia, sem qualquer orientação, fixada num embaciado e inútil retrovisor desde o começo da crise, em 2007, o que se tem traduzido num desesperante desemprego. A cultura, onde é preciso recuar até antes do 25 de Abril para se encontrar um período tão mau. E como não falar do insuportável autoritarismo e do desprezo pelo pluralismo... para esconder isto fala-se muito de determinação, mas quando ela é para a asneira, não ajuda muito, não é? De resto, é sempre intrigante quando vemos um tipo muito teimoso, mas que não sabe o que quer.

Quanto ao socialismo moderno, há todo um debate por fazer, nomeadamente desde que a crise veio pôr em causa a sua trave-mestra, que era o deslumbramento pela "financeirização" da economia e pelas novas tecnologias, que são duas faces da mesma moeda. É bom não esquecer isto, sobretudo porque foi isto que deixou Sócrates sem tapete em 2007, e o levou, durante dois anos, a negar a realidade da crise.

Concorda com a ideia de que o PS se deve "recentrar"? Em que sentido entende que o partido deve repensar o Estado Providência, o bem público e as relações entre o mercado e a democracia?

Esses são hoje realmente alguns dos mais incontornáveis tópicos da esquerda europeia, à margem dos quais o PS tem passado completamente... Propus a Sócrates que se organizasse no PS um think tank sobre esses e outros temas, mas não ligou nenhuma. Também não me surpreendeu, conheço-o há muito tempo, quando eu falo de ideias e de debates, ele pensa em espectáculo e em propaganda. Veja, como agora começou a preparar um novo espectáculo (o congresso), já está aí a pedir debate de ideias... é confrangedor!


Como vê o futuro do PS caso deixe de ser Governo antes de 2013?

O exercício do poder, que se reduz à obsessão de durar, nunca deu futuro a nenhum partido. Estes seis anos traduziram-se numa óbvia degradação de diversos valores do Partido Socialista: o pluralismo, a igualdade, a educação e a cultura, os direitos humanos. A "modernidade" foi um slogan sem qualquer conteúdo - conhece alguém que não queira "ser moderno"? A ressaca, pressinto, vai ser pesada...


Está, como sugerem dirigentes partidários, ressabiado com o seu afastamento do cargo de embaixador de Portugal na UNESCO?

Aceitei esse lugar (apesar do enorme sacrifício pessoal e familiar que ele implicava) como missão, e sem perceber que o Governo não estava interessado em nenhuma das causas da UNESCO: cultura, educação ou direitos humanos.


Os lugares, para mim, são missões que exerço com empenho, mas também com desprendimento - penso que no meu comportamento já deixei isso claro, e várias vezes. E os meus valores fundamentais não são negociáveis. Mas factos são factos: se aqui há "ressabiados", não sou eu - não se esqueça que o meu afastamento da UNESCO foi anunciado a seguir a uma entrevista ao Expresso, onde falava do meu novo livro E Agora?, que recolhia as minhas opiniões e reflexões desde 2007 e acrescentava o programa para uma nova República. É isso que penso, precisamos mesmo de uma nova República - e se calhar também de um novo PS...

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