Depois da revolta pacífica, a violência no Cairo

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Na praça Tahrir, manifestantes anti e pró-Governo ficaram feridos e outros cobertos de sangue Suhaib Salem/Reuters

A praça que terça-feira transbordava com 200 mil manifestantes a pedir a demissão de Hosni Mubarak de forma pacífica no centro do Cairo foi cenário de uma batalha campal. Já morreram, pelo menos, três civis e outras centenas de pessoas terão ficado feridas em violentos protestos entre manifestantes anti e pró-Presidente.

Os confrontos físicos começaram por volta do meio-dia locais, quando apoiantes de Hosni Mubarak romperam as linhas militares de segurança na Praça Tahrir (da Libertação), montados a cavalo e em camelos, e empunhando paus e chicotes.

Enquanto a televisão estatal egípcia difundia um aviso para que todas as pessoas abandonassem a Tahrir, o caos continuava quando já era noite no Egipto: “bombas caseiras” foram largadas a partir de edifícios próximos, o recolher obrigatório não estava a ser cumprido e a iluminação era muito reduzida.

Três camiões militares chegaram a ser tomados por apoiantes de Mubarak, bloqueando as entradas da praça. Apesar dos apelos à calma gritados por altifalantes, eram disparados tiros para o ar e havia pedras a voar por todo o lado, descreveram vários media internacionais presentes no local. O Exército – que mais tarde viria a abandonar a praça – não interveio nos confrontos.

Bombas de gás lacrimogéneo foram lançadas contra os manifestantes anti-Mubarak e, pelo menos, seis cocktails Molotov explodiram no centro do Cairo. Dois deles no pátio do Museu Egípcio, onde repousa o túmulo de Tutankhamon.

No ponto nevrálgico dos confrontos, havia gente coberta de sangue. “Muitas pessoas têm ossos partidos. Eles estão a atirar-nos com pedras muito, muito, muito grandes”, contou à estação britânica BBC Azza, manifestante anti-Governo na Praça Tahrir. As informações sobre o número de feridos divergem de responsável para responsável. O Ministério da Saúde admitiu que 600 pessoas tenham ficado feridas durante os confrontos, mas um médico de uma clínica médica improvisada próximo da praça Tahrir falava à Reuters em mais de 1500. No entanto, outro médico que assistiu algumas vítimas disse à mesma estação ter visto entre 300 a 400 feridos.

A presença das duas frentes de batalha estava dividida a meio da tarde. “Talvez já sejam mais apoiantes pró-Mubarak no interior da praça [Tahrir] do que os anti-Mubarak”, descrevia o jornalista da BBC Paul Danahar.

O ambiente era completamente diferente do da véspera, com duas correntes de opinião em confronto, registadas pelo jornalista do diário britânico “The Guardian” Jack Shenker: os que, perante a promessa do Presidente Mubarak em não se recandidatar às presidenciais de Setembro, diziam que “mais uns meses” no poder não fariam a diferença; e outros, que questionavam como “algum egípcio pode ser suficientemente estúpido para acreditar nas palavras de um assassino?”.

A 15 quilómetros dali, na praça Mustafah Mahmoud, 40 mil apoiantes de Hosni Mubarak, maioritariamente cristão, gritavam palavras de ordem a favor de Mubarak e perguntavam: “Onde está agora a Al-Jazira?”, televisão que tem mostrado a revolta popular nos últimos dias. Aqui, só alguns apoiam uma saída “com dignidade” do Presidente, não como pede a oposição: a sua queda imediata.

Pressão internacional

E enquanto no Cairo a violência aumentava e a oposição interna dirigia duras palavras a Mubarak, a pressão internacional intensificava os pedidos de transição do regime do Egipto, que há 29 anos tem Mubarak na presidência. Foi o que pediu a chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, ao dizer, em Bruxelas, que Mubarak “deve responder à vontade da população”.


Os Estados Unidos falaram em várias frentes. A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, avaliou que se está perante “território desconhecido” no que toca às convulsões no Egipto e, antes, na Tunísia. O porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, PJ Crowley, deixava, depois, uma mensagem no Twitter: “Reiteramos o nosso pedido a todas as partes no Egipto para conter e evitar a violência. O caminho egípcio para a mudança democrática tem de ser pacífica”.

E mais pressão do lado norte-americano: Robert Gibbs, o porta-voz da Casa Branca, recordou agora mesmo as palavras de Obama da véspera e sublinhou-as. “A mensagem que o Presidente enviou claramente ao Presidente Mubarak é que chegou a hora da mudança”.

Antes disso, já o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Cairo havia respondido, em comunicado, aos países que têm comentado a situação nos últimos dias no Egipto: “Ocupem-se dos seus assuntos”.

Uma resposta firma seria ainda dada por um conselheiro próximo de Mubarak à BBC: o Presidente não vai ceder às exigências para se demitir imediatamente.

Notícia actualizada às 22h45
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