João Salgueiro: "Precisamos de investir em actividades directamente produtivas"

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João Salgueiro Foto: Enric Vives-Rubio

João Salgueiro é um observador atento da economia portuguesa. Diz que a origem da crise remonta, pelo menos, a 1995 e afirma que os portugueses estão metidos num grande sarilho.

Acusa o primeiro-ministro de continuar com fantasias, "a querer convencer-se a si próprio de que estamos a ter um bom desempenho". "Mas estamos a ter um péssimo desempenho", refere.

Ao longo de toda a década, chamou a atenção para as debilidades da situação económica e financeira do país. O tempo deu-lhe razão. Consegue ver uma luz ao fundo do túnel?

É uma época esperançosa, pois, finalmente, os portugueses perceberam que existe um grande problema. Não nasceu agora, existe desde o princípio do século, e tem vindo a agravar-se pelo menos desde 1995. E perceberam que a falta de racionalidade na organização da economia vai ter custos. E, portanto, vai haver um maior empenho em encontrar um rumo. A primeira coisa que se precisa, quando se quer mudar de vida, é ter vontade.


A questão está clara na cabeça dos nossos governantes?

Está para uma grande parte da classe política. Mas quando a ideologia e o oportunismo são os condutores, pode haver um obstáculo.


Teme que a agenda política de cada partido, e a de cada dirigente político, esteja a condicionar as iniciativas partidárias?

Só se não estiverem preocupados com o interesse nacional. Notam-se algumas contradições na forma como têm reagido o ministro das Finanças e o primeiro-ministro.


Nos últimos dois anos, Teixeira dos Santos parece ter andado a reboque da agenda política de José Sócrates. Acha que está empenhado nas suas funções?

Está, tal como a maior parte de nós. Podia ter actuado mais cedo e devia tê-lo feito. Agora tem evidenciado verdadeira preocupação. Já o primeiro-ministro continua com fantasias, a querer convencer-se a si próprio de que estamos a ter um bom desempenho. Mas estamos a ter um péssimo desempenho.


Como é que se salva o país?

Os portugueses perceberam que estão num grande sarilho. E também importa que percebam como é que aqui chegaram. O desmazelo tem várias características. Uma delas é terem pouca ambição. Outra é a tolerância com maus resultados. O Governo compara-nos com os piores para dizer que estamos bem. Mas o benchmarket é a comparação com os melhores.


E o que é que os portugueses podem fazer?

Indignarem-se. Quando nos dizem que a Irlanda, a Grécia e a Espanha também estão mal, achamos que isto é uma resposta. As pessoas ainda hoje pensam que estamos assim devido à crise internacional.


É essa a mensagem que Sócrates transmite...

Obviamente que não é por essa razão. Não tivemos os problemas na banca que a Irlanda teve, não tivemos a despesa pública descontrolada dos gregos. Mas sabemos que temos o pior resultado da zona euro em termos de produto (PIB). Viu alguma reacção contra isto?


Como é que aconselharia os portugueses a reagirem?

O primeiro protesto é não comprarem as justificações que são dadas. Este Governo não foi reeleito depois de quatro anos de confusão?... Os portugueses compraram, durante muitos anos, situações de facilidade. E depois são desmazelados, porque aceitam que as instituições funcionem mal. Em Portugal as pessoas indignam-se se virem alguém ser maltratado, mas não se indignam se virem alguém a roubar. E elegeram vários autarcas que estavam sob investigação. É verdade que antes do julgamento ninguém é culpado, mas não houve uma preocupação das pessoas...Temos bloqueios, disso não há dúvida.


Quais são?

Gastamos mais do que produzimos, quer o Estado, quer os particulares. A consequência é o endividamento. Enquanto tínhamos direito ao crédito e tínhamos coisas para vender, fomos vendendo: privatizou-se e o dinheiro foi gasto em despesa corrente. Se queremos criar empregos e se achamos que temos de melhorar de vida, então temos de ter maior investimento em actividades directamente produtivas. Não há maneira de reduzir o desemprego, de melhorar o produto e melhorar as condições de vida e também, é claro, de reduzir a dívida, sem produzir mais. Mas quem é que vai produzir mais? O Estado já não pode endividar-se mais. Têm que ser empresas e elas têm que ter condições.


Sem crédito já se percebeu que as empresas não sobrevivem?

Quando há um bom projecto, os fundos não falham.


Os empresários dizem que a banca não empresta e quando empresta é com juros altos.

Mas há a banca estrangeira.


Se o país é de risco, quem vai emprestar?

Ainda há pouco existia uma empresa que era boa e que estava à venda e vendia-se por menos de metade do seu valor e ia ser adquirida por uma empresa alemã. E os alemães disseram que, nesta altura, não compravam nada em Portugal por causa do risco soberano. Como alguns de nós não compraríamos nada a um país que estivesse sempre em guerra. É preciso que haja consciência disso.


Como é que sai?

Temos excesso de despesa pública e falta de condições para as empresas privadas, portuguesas ou estrangeiras, trabalharem em Portugal. Já se percebeu que este problema não se resolve num só ano? Que vamos ter um problema grande durante vários anos? Mas há outra solução no futuro próximo? Precisamos de ter a mesma atitude que tiveram os franceses, alemães ou ingleses a seguir à guerra, quando precisaram de reconstruir os países. Hoje estamos perante uma guerra que é a da sobrevivência. Será que os portugueses perceberam isso? Na Alemanha chegaram a destruir casas para recuperar os materiais à mão. E conseguiram.


A sua solução para os problemas passa por baixarmos o nosso nível de vida?

Não. Passa por produzirmos melhor.


O que depende quer do Estado, quer dos gestores?

Sobretudo do Estado. Hoje, apesar de tudo, os investidores ainda irão mais depressa para a Irlanda do que para Portugal. Dizer que a economia irlandesa falhou é uma patetice. O que falhou foi o sistema bancário, que andou a investir em activos tóxicos. A Irlanda neste momento é um dos países mais desenvolvidos da Europa e há 20 anos estava ao nosso nível. Antes da fase da especulação financeira, criaram um sistema atractivo para o investimento produtivo e nós não. Em termos sectoriais apenas criámos esse clima favorável no turismo, que é o único sector onde, em regra, os estrangeiros estão interessados em investir em Portugal.


Para inverter esta situação, o que deve fazer o sector público?

Não vai haver emprego no sector público e se queremos reabsorver o desemprego e criar emprego para as gerações futuras, tem que se estimular a actividade produtiva. Por outro lado, temos de disciplinar a despesa pública. A existência de descontrolos por todo o lado só vai agravar o custo da nossa dívida. Quando começamos a abrir excepções em relação a empresas públicas, a parcerias público-privadas (PPP), em relação a empresas estaduais, a regiões autónomas e autarquias, estamos a enterrar-nos mais.


Podemos evitar andar por muito mais tempo de mão estendida?

Quanto pior governados formos, mais cara fica a dívida e menos empresas querem investir em Portugal. É preciso também libertar os portugueses para eles produzirem melhor.


O que é quer dizer com isso?

Há que reduzir a burocracia e não fizemos praticamente nada para acabar com ela.


Há o Simplex...

O Simplex permite fazer uma empresa rapidamente. Mas depois toda a burocracia das autorizações e das relações com os ministérios, as autarquias mantém-se. Os organismos proliferam e as pessoas andam de porta e porta, pois não desbloqueamos a capacidade de os portugueses tomarem iniciativas.


Essas ideias mais liberais necessitam de um Estado com autoridade, que não existe em Portugal?

Temos um Estado fraco que tolera todas as manobras, situações de favor. Estamos a ver projectos que foram construídos em situações de excepção. Por um lado, dizemos que temos um Estado interventor que serve para regular. Mas se a regulação for para manter privilégios de alguns, já não tem sentido. Há que limpar a administração pública de decisões arbitrárias.


O Governo e o PSD falam muito em privatizar. As privatizações não têm ajudado a criar um mercado mais eficiente?Não se têm criado as condições para um mercado mais concorrencial. E dá-se a possibilidade a empresas, que não estão em condições de concorrência, de fazerem lucros volumosos. Liberalizámos a energia e os resultados não foram quase nenhuns.

Não acha que há gestores que aceitam correr riscos, para terem benefícios (ou prestígio), para além do recomendável?

Não. A responsabilidade é de quem permite. O que não é aceitável não deve ser autorizado. O caso Madoff é um caso de polícia. Na Irlanda, na Islândia houve ainda distracção dos reguladores.


E no BPN e no BPP?

É diferente. Na Irlanda ninguém disse que as contas dos bancos estavam mal auditadas, os reguladores é que não actuaram. No caso BPP, as contas estavam mal auditadas e no BPN grande parte das operações estavam em Cabo Verde e depois verificou-se que estavam também num computador pessoal. A supervisão bancária baseia-se nos números que são auditados internamente e por entidades externas. Portanto estes dois casos são marginais em relação às regras da regulação e não puseram em causa o sistema. Se tivéssemos criado excesso de regulação em Portugal, em situações como as verificadas, também não teria servido para nada.


O Estado vai manter o BPN na sua esfera e injectar 500 milhões de euros para manter os rácios prudenciais nos limites exigidos. Concorda com a solução?

Na altura em que se deu a intervenção [Novembro de 2008], era necessário para evitar risco sistémico. Tem é demorado tempo de mais a resolução do caso. Importa que soluções adiadas não se tornem mais caras e não afectem a própria CGD.


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