O Google não escreveria este livro

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O que faria o Google? não é sobre o Google. O livro, escrito pelo jornalista, blogger, professor universitário e consultor de media Jeff Jarvis (ainda seria possível acrescentar mais um ou dois títulos à apresentação do autor) é, essencialmente, uma deambulação pelo vasto mundo dos novos media e pela forma como a Internet está a afectar uma série de indústrias.

O que faria o Google?

não é sobre o Google. O livro, escrito pelo jornalista, blogger, professor universitário e consultor de media Jeff Jarvis (ainda seria possível acrescentar mais um ou dois títulos à apresentação do autor) é, essencialmente, uma deambulação pelo vasto mundo dos novos media e pela forma como a Internet está a afectar uma série de indústrias.

Jarvis, 56 anos, é um blogger prolífero (e foi graças ao seu blogue BuzzMachine que conseguiu a notoriedade de que goza e alguns dos cargos que exerce). Aqueles que o seguem sabe que tanto escreve sobre tecnologia, como sobre o cancro da próstata a que foi operado e a incontinência urinária que se seguiu. E este seu primeiro livro é, em grande medida, uma espécie de compilação do trabalho que tem feito no blogue.

Quem já leia Jarvis online não encontrará em O que faria o Google? muitas novidades, embora possa apreciar os capítulos em que Jarvis tenta reinventar o funcionamento de indústrias várias (da aviação à restauração) com propostas por vezes mirabolantes.

Por outro lado, para quem não frequente a blogosfera dos gurus dos novos media (de que fazem parte Jarvis e muitos dos bloggers citados no livro) esta pode ser uma boa introdução aos desafios que as tecnologias de informação hoje colocam.

Em verdade, seria impossível que os assíduos do BuzzMachine encontrassem muitas surpresas.

Este livro foi escrito com algum grau de colaboração com os leitores (é, aliás, um dos conselhos mais fortes do autor para as empresas: abram as portas às ideias dos clientes). Frequentemente, Jarvis pediu conselhos e sugestões. E há mesmo todo um capítulo (sobre uma “googlização” do sector das apólices de seguros) que é escrito essencialmente com contributos externos.

Jarvis não é um especialista em muitas das indústrias sobre as quais decidiu escrever. E isso nota-se. No caso dos seguros, o capítulo termina de forma esclarecedora: “Orgulho-me em dizer que não tive estas ideias. Os meus generosos leitores é que as tiveram. Eles foram o meu seguro contra um capítulo vazio”.

As novas regras

Jarvis caiu na tentação (que parece ser comum neste género de livros sobre a Internet) de apresentar uma resenha de que como a nova Web (a Web 2.0, da partilha, da socialização e da conectividade quase constante) está mudar as nossas vidas – mas já não era preciso lermos, mais uma vez, que agora todos podemos comunicar uns com os outros, que todos podemos gravar vídeos no telemóvel e conseguir audiências de milhões de espectadores, que na Internet os nichos são valiosos ou que as empresas podem ver a sua reputação destroçada por um cliente que diga mal delas online.

Na primeira parte do livro – chamada “Regras da Google” – o autor analisa o impacto de empresas como o Google, o Facebook, o Twitter, a Amazon e a Craigslist (um site de anúncios classificados muito popular nos EUA).

Aqui, Google é frequentemente apenas um sinónimo de Internet (por vezes, de forma algo forçada, como que para justificar o título). As regras deduzidas por Jarvis e os conselhos para as empresas são muitos, embora alguns sejam apresentados de forma vaga e sem as entrevistas, os exemplos ou o conhecimento de causa necessários.

O autor advoga mais transparência e abertura (por exemplo, pedir ideias aos clientes sobre novos produtos), uma boa gestão da reputação nas redes sociais, a estratégia de crescer antes de fazer dinheiro (como fez o Google e está a fazer o Facebook) e a inovação constante (acabou mesmo por dedicar algumas páginas ao batido tema dos 20 por cento do tempo de trabalho que alguns funcionários do Google têm para desenvolverem projectos pessoais inovadores).

O autor admite excepções a estas regras e acaba por dar, no final, o enorme secretismo da Apple como a grande excepção. Mas fica por perceber onde se enquadra o secretismo que a Google também tem relação a muitos produtos no meio desta estratégia de abertura quase total.

Reinventar

A segunda parte de O que faria o Google? (com excepção do título, em todo o livro se escreve “a Google”, não se percebendo porquê a falta de coerência) é a tentativa de Jarvis mostrar o que a multinacional faria se estivesse a actuar noutros sectores de actividade. O autor não foi contido e os resultados são divertidos exercícios de imaginação, criados para ajudar os leitores a pensarem “fora da caixa”.

O que faria o Google se tivesse um restaurante? Faria os clientes votarem nos pratos e bebidas de que mais gostam e poderia apresentar aos comensais informação do género “X pessoas com gostos semelhantes ao seu gostaram de comer este prato”. Se tivesse uma companhia aérea? Criava uma rede social para que os passageiros se pudessem conhecer uns aos outros antes de viajar e escolher voos consoante o potencial interesse das restantes pessoas a bordo. Se fosse um fornecedor de acesso à Internet? Oferecia banda larga de borla e fazia dinheiro com anúncios publicitários direccionados.

Os exemplos continuam. Note-se que o caso da Internet financiada por publicidade é um exemplo da típica actuação Google. Mas os outros dois casos assemelham-se mais à filosofia da Amazon (que tem um poderoso motor de recomendação de livros aos clientes) e do Facebook.

Lições para os jornais

Um dos argumentos fortes do livro é que a Internet está a minar todas as actividades de mediação (dos agentes imobiliários às agências de viagens). Tendo sido crítico de televisão, jornalista de media e tendo estado envolvido em vários projectos na área (incluindo o lançamento da revista Entertainment Weekly), o pensamento de Jarvis acaba por cair frequentemente nos media – do jornalismo, à produção de conteúdos, passando pela publicidade. E é aqui que o autor mostra maior capacidade analítica.

Um dos conselhos de Jarvis para os órgãos de informação (e que é o tema de um dos posts mais populares do seu blogue) é que estes se concentrem naquilo que sabem fazer bem e simplesmente façam links para o resto, simultaneamente dando aos leitores o serviço de agregação e evitando o desperdício de recursos em trabalhos que estão tão bem (ou mais bem) feitos noutro lado.

Por outro lado, o autor nota o perigo para as empresas de media em agarrarem-se às “galinhas dos ovos de ouro” (refere-se às edições impressas), mesmo quando estas estão a emagrecer. Isto acaba por impedir que se avancem para novos modelos, porque as empresas estão demasiado ocupadas a explorar o antigo filão até ao esgotamento.

“[Um jornal] tem de promover novos produtos até mesmo à custa dos antigos: canibalizai-vos a vós mesmos. Convencer o público e os anunciantes a moverem-se rumo ao futuro é melhor do que segui-los posteriormente após eles terem descoberto outras fontes de notícias.”

Um dos principais desafio dos media, argumenta, é a hiperabundância de conteúdos. E, em geral, as empresas (não apenas as de notícias) deveriam aprender a viver numa economia de abundância e não de escassez. É o que o Google faz, ao aproveitar a abundância de conteúdos para montar um negócio.

De todos os conselhos abordados ao longo de quase 300 páginas, poucos foram adoptados na escrita deste livro – a começar porque não é gratuito e subsidiado com publicidade e a acabar no facto de Jarvis se dispersar por muitas áreas, em vez de estar concentrado em algo que conhece muito bem (e que seria o mundo dos media).

O autor está consciente dessa falha e dedica algum tempo a explicar porque é que, em boa parte, este é um livro tradicional. E ficamos a perceber que o dinheiro que um editor tradicional ainda se pode dar ao luxo de adiantar aos autores foi determinante. Não é necessariamente uma constatação negativa, mas, a crer na análise que Jeff Jarvis faz do funcionamento do Google, este não é o livro que a empresa teria escrito.

O Que Faria o Google?

Editora: Gestão Plus, Bertrand Editora, 2010


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