Campos e Cunha: Teixeira dos Santos ou mentiu ou foi incompetente

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Campos e Cunha diz que Sócrates é o verdadeiro ministro das Finanças Pedro Martinho

Passados mais de quatro anos após a sua experiência como ministro das Finanças, Luís Campos e Cunha mantém as suas críticas à forma como tem vindo a ser conduzida a política económica e financeira do país. No dia em que publica um livro - Publicamente - em que reúne as crónicas escritas semanalmente no PÚBLICO, fala do OE 2011, da política de austeridade, da hipótese FMI e do seu apoio a Cavaco Silva.

Logo no início do livro revela que uma das suas preocupações é a reforma do sistema político. O impasse à volta da aprovação do Orçamento do Estado (OE) para 2011, e a incapacidade dos dois maiores partidos chegarem a acordo, é o regime político a dar sinais de esgotamento?

Quando olhamos para o país e começamos a identificar os grandes problemas, percebemos que eles não são muito diferentes de há quatro ou cinco anos atrás. Não penso que os diagnósticos estejam devidamente feitos. Pelo que estamos muito longe de saber quais são as soluções para os problemas. Dito isto, sabemos que os grandes problemas nacionais estão identificados: Finanças Públicas, Justiça, Segurança, Educação... E por que é que não foram resolvidos? E aí começamos a olhar para os grandes actores e instituições da política, que são, provavelmente, os grandes bloqueios. Tenho defendido, e digo-o no livro, que existe uma crise nas instituições democráticas e essa crise aliás não é só portuguesa, é também europeia. A crise económico-financeira que estamos a viver é também uma consequência da crise política.


As sociedades de hoje não tem forças para produzir líderes com espessura?

Os sistemas políticos democráticos têm tido nos últimos 20 anos uma incapacidade para gerar líderes políticos com alguma capacidade para antecipar o futuro. E cada vez mais temos aquilo a que os ingleses chamam “representatives”, pessoas que basicamente governam os países com base naquilo que vem nos jornais, nas sondagens de opinião ou eleitorais. Há 20 anos atrás os grandes actores políticos eram Mitterrand e Kohl e hoje os equivalentes são Sarkozy ou Blair, obviamente pessoas sem a mesma estatura política.


Esse problema é mais grave no caso português?

Claramente. Os partidos políticos são os pilares da democracia. Mas, primeiro, a democracia não se esgota nos partidos políticos; segundo, se os partidos não funcionam bem, significa que a democracia política também não.


Acredita que os líderes de antigamente resistiriam à exposição pública de hoje?

As instituições democráticas dos vários países europeus são instituições do pós-guerra. E a democracia do ponto de vista institucional ficou cristalizada desde então. E esse mundo é muito diferente do de hoje, não no sentido essencial, mas no sentido dos mecanismos de funcionamento, pois a informação instantânea não existia, até por razões tecnológicas. Uma imagem para ir de Lisboa a Paris levava horas ou dias. Hoje os políticos estão permanentemente em palco e isso distorceu o comportamento dos políticos. Não é o único factor determinante da crise das democracias mas é certamente um dos factores.


O escrutínio que nós, media, fazemos hoje do homem público é sobre questões menores?

O papel da imprensa e da televisão é completamente diferente do que era há quarenta anos atrás, ou mesmo há vinte. Num sentido foi para melhor, pois hoje é mais difícil esconder notícias, e não falo apenas de Portugal, pois aqui é óbvio demais. Mas também é verdade que muitas vezes se distorce a imagem da figura pública porque, como disse, os media tendem a assentar em questões de pormenor e de curto prazo. Aquilo que é importante para os jornais amanhã, não é o que é importante para o país daqui a 10 anos. E não tenho dúvidas que isso também pode distorcer a concorrência política. Vou dar um exemplo e estou à vontade pois tive várias desavenças públicas com Correia de Campos [ex-ministro da Saúde de Sócrates]. Quando era ministro todos os dias nasciam crianças nas ambulâncias e, no dia em que mudaram o ministro, essas questões desapareceram. Isto devia levar os jornalistas a pensar.


Nas suas crónicas chamou a atenção para o facto da fronteira entre o que é verdade e mentira na política ser ténue. E isso não ajuda a “limpar” o ambiente...

Sem dúvida que o problema do ser e do parecer passa muito pela mediação da televisão e dos jornais. Hoje, em bom rigor, ninguém sabe o que se passou com a Casa Pia ou com o negócio dos submarinos. Ninguém acredita nas instituições democráticas, seja o parlamento ou os tribunais, os jornais, as universidades ou as Ordens... A mediatização da actividade política propicia o teatro, e a verdade fica escondida.


Num dos momentos mais complexos da vida do país, encontra explicação, enquanto ex-ministro das Finanças, para o que se passou nestes últimos dias entre Teixeira dos Santos e Eduardo Catroga?

É difícil para mim fazer psicanálise, contudo tenho dificuldade em racionalizar o que se passou. Mas, em parte, penso que tem a ver com a crise do sistema político, a qualidade dos actores e a capacidade do sistema político gerar este tipo de actores. E falo em geral. Mas não percebi a lógica do PSD com todo este protelar. Se o OE fosse chumbado o governo caía, mas mantinha-se como Governo de gestão. Não há maneira de nos vermos livres deste governo chumbando o OE. Primeiro temos de ter eleições presidenciais e só depois poderá haver eleições antecipadas como julgo que vai haver.


Mas o que me interessa mais é saber o que se passou nos últimos dois anos. Como é que chegámos a esta situação dramática do ponto de vista das finanças públicas e que pode ter consequências muito sérias para o bem-estar do cidadão, para a economia e o emprego. Aquela ideia de que as Finanças não têm nada a ver com a Economia é falsa: as Finanças Públicas e a Economia são as duas faces da mesma moeda.


Pode ser um pouco mais explícito?

Se olhar para o que se passou nos últimos dois anos, não tenho dificuldade em dizer que o principal responsável foi José Sócrates, o verdadeiro ministro das Finanças. Se olharmos para o que se passou nos dois últimos meses já posso dizer que as culpas se dividem em partes iguais entre o PS e o PSD.


A verdadeira questão é que no início de 2008, saiu Correia de Campos, baixou-se o IVA, alterou-se drasticamente tudo o que tinha sido feito na área da Educação e começaram a preparar-se as eleições.


Em 2008 já se sabia que a descida de 21 para 20 por cento era um primeiro passo para baixar o IVA para 19. Mas tudo correu mal. E quando em 2008 baixaram o IVA para 20 por cento, mesmo antes da falência do Lehman Brothers (LB), eu disse que a situação bancária dos vários países aconselhava a que os Governos guardassem alguma capacidade de intervenção, pelo que era bom que nós seguíssemos os conselhos de várias instituições, FMI, BCE e BEI, que chamaram a atenção para a necessidade de os Estados poderem ter de intervir nos sistemas bancários. Na altura fui bastante atacado. Mas o maior impacto da crise internacional foi na reacção do Governo com consequências para as Finanças Públicas, porque a situação era muito frágil.


Porquê?

Porque a Crise deu a justificação ideológica para que o Estado português gastasse sem controlo e isso aconteceu em 2009 e também em 2010 e, neste caso, ainda não recebemos justificação sólida por parte do Governo relativa ao descontrolo das Finanças Públicas. Tem sido justificado pela necessidade do Estado fazer intervenções na economia, mas não é tudo. Repare que o governo jurava antes das eleições [de 27 de Setembro de 2009] que o défice estava controlado e ia ficar em 5,9 por cento, e nessa altura o Ministro das Finanças já sabia certamente que esse não era o valor [ficou em 9,3 por cento].


Acha que Teixeira dos Santos mentiu conscientemente?

Claro que sabia. Não era possível não saber a não ser que houvesse incompetência total. A partir de Julho e Agosto já há no Ministério das Finanças uma ideia muito precisa de qual vai ser o andamento orçamental, pois parte dos impostos directos já foram cobrados e já se sabe como correu a primeira metade do ano no que respeita aos impostos indirectos. E sabe-se como está a correr a despesa pública pois parte já foi contratualizada no primeiro semestre. Portanto, há uma ideia precisa de que como vai ser o ano Orçamental. Estamos a falar em Agosto. E em Setembro, é obvio que o ministro das Finanças tinha uma consciência muito clara de que o défice não podia ser 5,9 por cento.


Mas está a acusar o ministro de ser mentiroso? Isso é grave.

Para mim o Ministro das Finanças é Sócrates. Eu não quero falar do Ministro das Finanças [que sucedeu a Campos e Cunha nas funções]. Mas dias depois das eleições a Comissão Europeia fazia uma previsão do défice Orçamental acima dos 8% e ela já nem foi desmentida.


Vamos acabar 2010 com um défice público de 7,3 por cento?

Com as receitas extraordinárias de 1,5 por cento é verdade. Mas sem as receitas do Fundo de Pensões da Portugal Telecom o défice efectivo seria de 8,8 por cento, acima das previsões iniciais deste OE que apontava para 8,3 por cento e que não contava nem com as medidas de Maio (PEC-2), nem com as medidas de Setembro. E as medidas de Maio, que vão ter impacto no OE deste ano, significam uma derrota grande da Política Orçamental do Governo.


Como avalia a proposta de OE para 2011?

É uma proposta desesperada de quem não preparou o trabalho de casa a tempo e horas. É evidente que em Dezembro de 2009, se tivessem tomado as medidas necessárias, certamente não teria havido o descontrolo da despesa e certamente que a nossa situação para 2011 seria bastante mais fácil. Basta olhar para o caso espanhol onde a despesa este ano já baixou. Em Portugal a despesa com pessoal continua a crescer para níveis impensáveis e José Sócrates ou o Ministro das Finanças continuam a recusar-se a dar uma explicação para que se possa perceber o que se passou com rigor. Não é só uma questão de números, pois os que aparecem não são os números em contabilidade nacional. Percebo o argumento do PSD que diz que estamos a construir uma casa para 2011, sem saber o que se passou em 2010. E tem toda a razão.


Portanto a situação é de ruptura iminente?

Estamos à beira da ruptura do ponto de vista financeiro e, de um momento para o outro, podemos ter problemas de crédito seriíssimos. Mas ainda não é forçoso que tal aconteça. Os bancos portugueses estão sem acesso ao financiamento da banca internacional, praticamente desde Abril, quando se deu o downgrade da dívida pública portuguesa. Nessa altura respondi o seguinte a um jornalista do PÚBLICO que me perguntou sobre o que se iria passar: “A única coisa a fazer é rezar.” Até o Frankfurter Allgemeine achou graça. E desde aí é o que temos vindo a fazer.


Vão ser necessárias mais medidas do que aquelas que estão a anunciar?

Este pacote é um pacote brutal. Se a este pacote se somarem medidas a sério de redução da despesa, e essas têm que ser feitas processo a processo, repartição a repartição, instituto a instituto, e demoram tempo, tal não será necessário. Então aproveitar-se-ia a crise para reformular o Estado. E sairíamos melhor da nossa crise, poupando muito dinheiro e com um Estado mais eficiente. Cortes da despesa horizontais penalizam aquelas instituições do Estado que são bem geridas e beneficiam os infractores, pois os que gerem mal continuam a sobreviver.


Há margem para um novo aumento da carga fiscal?

Possível é, mas não é desejável.


Há quem defenda cortes no 13º mês e no subsídio de férias. Concorda?

Retirar cinco por cento no ano ou retirar o 13º mês ou o Subsídio de férias é igual. As famílias, quando fazem o planeamento das suas despesas ao longo do ano, têm em consideração o 13º mês e o subsídio de férias. Há sugestões de os substituir por certificados de aforro, mas isso não tem impacto no défice.


Está ao lado dos que defendem, ao mais alto nível, que teria sido preferível a vinda do FMI, em vez do acordo para viabilizar o OE de 2011?

Eu não sou dos que defendem essa solução: espero, desejo e teria muita vergonha que fosse necessária a vinda do FMI.


Acha o FMI uma instituição pouco recomendável?

O FMI não é uma instituição em que acredite, embora a OCDE ainda seja pior. E não tenho grande respeito pelo trabalho que o FMI fez por esses países fora; vejam-se os casos da Argentina, da Rússia, da Turquia, da Coreia do Sul, onde o FMI esteve e as coisas correram mal. E o FMI não é o nosso governo e pelo voto nós não o podemos responsabilizar. E se o FMI for chamado —e ele está mortinho por isso, basta ver as declarações que os dirigentes do FMI fazem cada vez que vêm a Portugal— o governo e o parlamento serão chamados a aplicar as medidas. E as medidas não serão muito diferentes das que estão na proposta de OE.


As Finanças Públicas têm sempre solução, mas promover o crescimento económico é diferente...

Há maneiras de cortar na despesa brutalmente e que prejudicam o funcionamento do Estado e há maneiras de cortar brutalmente e que não prejudicam. Entendo que a forma de aproveitar a crise é sair dela em melhores condições, é fazer o que já disse atrás —uma espécie de Prace-2—, pois cortes cegos não resolvem nada. É óbvio quando estamos a 15 dias de aprovar o OE para 2011 que há uma grande urgência em fazer cortes. Mas isso devia ter sido preparado com pelo menos seis meses de antecedência. Teríamos certamente um OE racionalizador dos meios do Estado e menos penalizador dos cidadãos que vão pagar mais impostos, receber menos apoios e vão ver o seu rendimento disponível cair abruptamente.


As exportações e poupança interna não são suficientes para pagar as importações e os juros da divida. Como se regressa ao crescimento económico?

Se tudo correr bem o crescimento em Portugal vai ser anémico nos próximos três anos. A alternativa é termos uma recessão brutal em 2011. Não se fez o trabalho de casa, nem se deixou a casa arrumada e isso vem desde inícios de 2008 quando se passou a pensar apenas nas eleições. Note-se que em 2008 o défice orçamental, sem receitas extraordinárias, já foi de mais de quatro por cento. O Estado devia, desde já, começar a fazer a reestruturação dos serviços de alto a baixo e reduzir a despesa racionalmente. Devia acabar com todos os grandes projectos, inclusivamente dando, nalguns casos, indemnizações compensatórias. Seria um sinal importante para os mercados de compromisso contra o despesismo. E era importante porque libertaria crédito para as famílias e para a economia.


Deve abandonar todas as grandes obras?

Se os grandes projectos forem para a frente, como o TGV e as auto-estradas, isso significa que as empresas e as famílias vão continuar a ter dificuldade em obter crédito com juros baixos e em quantidade. Em terceiro lugar, o Estado devia procurar deixar de ter todo o activismo, ou que finge ter, de intervenção na economia para além daquilo que é estritamente necessário, que é a provisão de bens públicos e a redistribuição do rendimento. Por último, é preciso que a retoma se faça primeiro exclusivamente com as exportações e depois com o investimento. É preciso que os portugueses saibam que é preciso poupar. E andar a dizer que está tudo bem, como se fez até meados de Setembro é dizer às pessoas que não é preciso pouparem. A situação agora é muito grave.


Acha que o modelo de previdência social está definitivamente esgotado?

Defendi durante muitos anos, enquanto cidadão e enquanto membro do Governo, que o Estado social pressupõe um Estado financeiramente sólido. E quando não o é, significa que o Estado social fica em causa. É que a forma mais rápida de cortar na despesa é nos apoios sociais, como está a acontecer. Um Estado financeiramente débil não se pode sustentar um Estado social.


Nas primeiras páginas do seu livro assume-se como um liberal...

... Liberal mas “non troppo”...


Como é que viu o impacto da crise financeira na Irlanda, o primeiro país europeu a declarar recessão? O liberalismo falhou?

As pessoas que anteciparam que o capitalismo tinha chegado ao fim..


...Mas eu não estou a falar de capitalismo...

Mas as pessoas que anteciparam o fim do capitalismo vão ter alguma dificuldade em explicar aos milhões de chineses e indianos que o capitalismos é mau. Os países mais intervencionistas foram os que estiveram mais em causa, que são os países mais desenvolvidos. O capitalismo mais selvagem, como o da China, da Índia e, provavelmente, do próprio Brasil, não foi o que esteve em causa.


A Irlanda ainda é um exemplo de sucesso extraordinário?

É.


Mas enquanto liberal não tirou lições da crise?

Tirei. A crise mundial começou em Inglaterra e nos EUA. E o que é que correu mal? Foi o modelo de supervisão, em especial dos bancos de investimento. Curiosamente nenhum desses modelos existia na UE; é verdade que existia na Suécia, mas era uma versão mitigada do modelo inglês. Mas em Portugal, Espanha, Alemanha, Itália, era diferente. E globalmente os mecanismos de supervisão da Europa continental não tiveram problemas com a crise. Os problemas da banca em Espanha tiveram que ver com a bolha imobiliária. E esta crise mundial, na sua essência, não é muito diferente das crises anteriores, é uma crise de excesso de crédito, excesso de confiança e de excesso de liquidez, as raízes da crise estão nas de 2002 e de 2003 e nas políticas monetárias laxistas.


No livro “This time is Different“, Carmen Reinhart e Ken Rogoff [ex-economista chefe do FMI], analisam as crises dos últimos 500 anos, e concluem que são todas muito parecidas. É evidente que o mundo do século XVII é diferente do actual. Mas as verdadeiras causas são muito semelhantes. Quando se diz “This time is different”, isto é o que toda a gente diz quando está a passar por uma crise.


Esta crise provocou problemas diferentes em cada país. Alguns tiveram um terramoto e outros sofreram simples abanões, como a Alemanha, a França e a Itália. Na Grécia tudo correu tudo mal. E o caso da Irlanda é especial.


Pode explicar porquê?

A Irlanda tinha uma política orçamental muito sólida, tinha há vários anos um excedente orçamental e tinha uma economia em franco crescimento. Portanto a crise não era económica. Mas tinha um problema sério: bancos muito grandes e muito internacionalizados que entraram em crise, por falta da supervisão. E quando o Estado irlandês quis socorrer os bancos, que eram muito grandes para a dimensão da economia, surgiram os problemas. E salvou três bancos maiores que a economia.


Na Irlanda foram os bancos que fizeram com que o rating da República caísse. Não tenho dúvidas que o modelo económico irlandês vai continuar intacto e vai continuar a funcionar. Mas vamos ver aonde vão estar daqui a cinco anos. É muito diferente de Portugal, onde o elo mais fraco que quebrou foi o das finanças públicas. Em 2009 o sistema bancário português portou-se muito bem e hoje se os bancos portugueses se podem queixar é do Estado, pois o Estado é que teve um mau comportamento, o rating da República caiu e por essa via baixou o dos bancos. Na Irlanda foi exactamente o contrario.


Ao contrário dos seus antecessores que presidiram à Sedes, João Salgueiro e Vítor Bento, insuspeitos de defenderem intervenções do Estado da economia, não valoriza a manutenção das empresas em mãos portuguesas (os centros de decisão). Porquê?

Se não temos indústria é porque a poupança caiu. Quando a poupança privada e pública cai ao longo dos últimos 15 anos, isso significa que vamos ter um défice externo. E se temos um défice externo, a nossa indústria lentamente desaparece.


Já disse que sou um liberal mas non troppo. Eu gosto de responsabilizar as pessoas pelos seus actos e não acho que todas as desgraças individuais sejam responsabilidades colectivas. Um aluno meu que não passa, em 99 por cento dos casos, é porque não estudou, não é culpa do sistema. Sou um liberal nos costumes e na abertura ao mundo, estudei fora, tenho filhos a estudar e a trabalhar fora. E defendo ainda que há que separar as águas do Estado, das do sector privado. A mancebia entre o Estado e os negócios conduz a que o Estado fique ao serviço de interesses económicos.


Enquanto liberal defendo um Estado forte, financeiramente sólido, independente dos interesses económicos e capaz de ter decisões que possam ir contra os interesses económicos, se isso for do interesse nacional. E isto não é o Estado que nós temos. O pai do sector privado não é o Estado, o sector privado não tem pai. O resultado é o sector privado a querer tomar conta do Estado e hoje os grandes interesses económicos dominam-no e a sua máquina está ao seu serviço.


Uma solução liberal exige um Estado com autoridade que não existe em Portugal?

Não. Implica um Estado financeiramente sólido e independente. A diferença entre um liberal e um não liberal está nas prioridades do Estado. Para mim o Estado deve preocupar-se com a provisão de bens e serviços públicos e, além disso, com a redistribuição de rendimentos. E isto realiza-se, cada vez mais, com a despesa pública e não tanto com impostos, garantindo a igualdade de oportunidades. Diferencio-me da direita política porque penso que a redistribuição de rendimento é fundamental para a coesão social e é uma questão ética fundamental para a sociedade.


Sou contra o Estado dar subsídios às empresas, porque isso é dar subsídios aos donos das empresas. Não se tira às pessoas rendimentos do trabalho para depois ir dar aos donos das empresas quando eles já por si pagam pouco IRS. Já reparou que neste tsunami financeiro de 29 de Setembro não se aumentou a taxa liberatória do IRC? Neste momento os rendimentos do trabalho é que estão a pagar a crise toda e em particular os dos Funcionários públicos.


O Governo optou por não aplicar um imposto sobre os lucros dos bancos. Interessa à banca?

R- Não sei. Mas a banca não deve estar particularmente aflita quanto a esse aspecto em particular. Se eu a trabalhar ganhar mais 100 euros, em contribuições e impostos pago mais 60 por cento para o Estado. Se eu ganhar mais 100 euros, porque tenho um depósito a prazo, vou pagar ao Estado 21,5 por cento. Isto é uma injustiça e um enviesamento contra os rendimentos do trabalho. E é desincentivador de trabalhar: para quê trabalhar se 60 por cento vai para o Estado?



Concorda com a privatização do capital da Galp e da EDP?

Essas já são privadas. Mas chamei a atenção para o facto de ninguém ter discutido a privatização da REN, que é um monopólio natural e como todos os monopólios naturais tem que ser regulado. Acho extremamente grave que no Parlamento não se tenha levantado uma voz para questionar qual é o modelo de regulação da REN. Mas aconteceu.


E acha que a CGD deve ser privatizada?

R- Tenho defendido que deve estar em mãos públicas. Mas se a CGD se tornar num instrumento do primeiro-ministro para interferir em negócios privados, então é melhor ser privatizada. No entanto, a minha primeira opção é que a CGD esteja nas mãos do Estado, gerida de forma independente dos interesses políticos do partido que estiver no Governo.


Notícia corrigida às 11h32
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