Teixeira dos Santos: "Não vejo muito mais por onde ir se os mercados nos exigirem mais"

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Teixeira dos Santos diz que ninguém ficou de fora na hora de pagar a crise Enric Vives-Rubio

Teixeira dos Santos confia que as medidas do OE terão um impacto positivo imediato. Mas mantém o aviso em relação à "insaciabilidade" dos mercados.

Teixeira dos Santos não concorda que as medidas de austeridade afectem de forma mais significativa a classe média e diz que ninguém ficou de fora na hora de pagar a crise. Em relação à banca diz que é tempo de começarem a promover mais a poupança interna.

O sr. ministro diz que este é o orçamento que o país precisa. Mas acha que é um orçamento de um governo socialista?

Acho que este é um orçamento de um Partido Socialista responsável, que não pode fugir à sua obrigação de encontrar a resposta que nos é exigida numa situação de dificuldade no domínio do financiamento da economia. E que não deixa de ser socialista porque tem a preocupação de tomar medidas que, cortando na despesa, procura salvaguardar alguns aspectos da política social...

Mas os sacrifícios não são pedidos a todos de igual maneira...

Eu não sei quem é ficou de fora....

...A classe média e as pessoas com rendimentos mais baixos são as mais afectadas, nomeadamente ao nível fiscal...

Não... digamos que são medidas que afectam todos. As deduções fiscais provocam um corte bem mais significativo nos escalões de rendimentos mais superiores. Já tinhamos agravado a tributação em IRS dos rendimentos mais elevados e creio não há ninguém que fique de fora. Em termos de salários, quer na Administração Pública quer no Sector Empresarial do Estado, os salários mais elevados são os mais afectados. E portanto acho que há aqui um design de medidas que procuram de facto proceder a uma repartição que nos parece equitativa dos sacrifícios que estão a ser pedidos.

As simulações que tem sido feitas mostram que é a classe média baixa a que tem aumentos de IRS mais elevados.

Esse exercício via ter de ser feito em termos de taxas efectivas de tributação de IRS. E temos que olhar também para aquilo que é a média. Podemos encontrar sempre um caso específico que pode ser um exemplo que não corresponde à generalidade das situações. Temos de olhar para o nível médio de deduções nesses níveis de rendimento e o modo como em média os afectamos.Agora se olharmos para aquilo que são as deduções médias por agregado familiar por cada nível de rendimento o agravamento que daí resulta é cada vez maior à medida que o nível de rendimento é maior.

A percentagem das deduções depois também é menor em relação ao imposto que é pago. E o aumento do imposto nas classes mais altas acaba por ser mais pequeno.

Sim, mas quanto áquilo que é a dedução média. Não pode é colocar alguém com um rendimento típico da classe média e baixa a deduzir aquilo que é típico do que é deduzido pela classe média alta.

Em relação à taxa da banca, porque não vai incidir sobre os lucros?

Não, porque sobre os lucros já incide o IRC. Esta taxa visa não tanto tributar a rentabilidade dos bancos, mas acima de tudo a dimensão da instituição e os níveis de risco associados à sua actividade, na lógica do modelo inglês. Não valia a pena estar a chover sobre o molhado.

O que é tributado incide, de alguma forma, sobre o que os bancos vão buscar em termos de financiamento. E os bancos portugueses vão lá fora porque não há taxa de poupança suficiente aqui. Não estaremos a penalizar os bancos por uma prática que é quase inevitável para eles nesta fase. Isso não poderá criar mais problemas à banca?

Isso até é uma forma indirecta de fazer com que os bancos se possam empenhar num reforço da poupança nacional de uma forma mais clara. E em vez de promoverem o endividamento, como andaram todos estes anos a promover, podem começar a promover um pouco mais a poupança interna. O que não seria mau de todo para todos nós.

Na entrevista que deu ao Expresso, admitiu que só no final de Agosto teve a noção de que era preciso tomar medidas adicionais às do PEC 2. Mas já em Setembro afirmou no Parlamento que a despesa estava controlada. E o primeiro-ministro chegou a dizer em Bruxelas no dia 17 que as medidas tomadas eram suficientes para atingir o objectivo do défice. Como explica isto? Falta de coordenação com o PM?

Não, não é falta de coordenação. Até posso admitir que possa não ter sido claro, mas disse exactamente essas duas coisas. Eu no Parlamento chamei a atenção para o facto de tudo o que tem a ver com o subsector Estado estar em linha com o orçamentado. Mas admiti que havia problemas. Não houve qualquer intuito de escamotear o que quer que fosse.

Mas no final de Agosto chegou a comunicar a José Sócrates que era preciso tomar mais medidas?

Eu não disse que no final de Agosto era preciso tomar mais medidas. O que eu disse foi que no final de Agosto começamos a notar, em virtude dos desenvolvimentos na Irlanda, uma grande intranquilidade dos mercados e um certo reacender do problema de financiamento, que obviamente teve uma reacção da nossa parte. No último mês e meio de trabalho e após dezenas de reuniões identificamos um novo conjunto de medidas. E não foi por acaso, contrariamente ao que é habito, grosso modo duas semanas antes da entrega do Orçamento, viemos a terreiro anunciar um novo pacote de medidas e antecipamos de alguma forma o anúncio dessas medidas pela necessidade de mostrarmos aos mercados.

Admite que foi um erro não ter feito o mesmo que a Grécia e a Espanha logo em Maio?

Eu não diria que foi um erro. É evidente que agora, chegado a esta situação, é sempre fácil.. Se eu tivesse feito isso antes, se calhar... é fácil. Mas no momento em que a situação é avaliada e tomar decisões, era aquilo que era possível. E o pacote de medidas de Maio pareceu-nos ajustado.Mesmo a Espanha, a Irlanda e a Grécia, neste momento estão a ser chamados a reforçar e a tomar mais medidas. Não é certo. Isto é a dificuldade de quem tem conduzir esta coisas. Nos temos de tomar medidas duras, que impõe sacrifícios e nunca sabemos o que é os mercados mais tarde nos vão estar a exigir e dizer que se calhar não chega. Querem mais.

Não pode garantir, portanto, que estas são as últimas medidas?

Espero e estou confiante que terão impacto já. Mas de facto nós temos que ver o que está a acontecer. É quase uma insaciabilidade dos mercados a medidas de austeridade desta natureza.

Se isso vier a acontecer consegue antever o que é que podemos fazer mais? Continuar a subir o IVA? Cortar mais nos salários?

Eu não vejo muito mais por onde ir. Por isso fizemos aqui um esforço grande de fazer um corte muito significativo na despesa. É um pacote de medidas suficientemente forte para podermos dar um sinal claro e de determinação em ultrapassar esta situação. E neste momento, o problema e aquilo que sinto que é a preocupação dos mercados não é tanto o conteúdo das medidas e a capacidade de ultrapassarmos a situação, mas mais as dúvidas de haver ou não um orçamento e um acordo político.

No cenário macroeconómico do OE, prevêem um crescimento das exportações de 7,3 por cento, quando a procura externa cresce quase metade. Acha credível que as empresas portuguesas comecem desta forma a ganhar quota de mercado?

Já temos vindo a assistir a esse fenómeno de ganho de quota. É certo que com algumas oscilações, mas achamos que apesar da desacelaração da procura externa, os ganhos de competitividade do sector exportador e a diversificação geográgfica têm permitido ganhar mais capacidade de penetração no mercado externo. A redução da nossa dependência face ao mercado europeu e o reforço da componente extra-comunitária são dois pontos positivos para o sector exportador, que é um pilar do crescimento deste ano...

Há aqui um elevado grau de risco na previsão...

Sim, mas todas as previsões envolvem um grau de risco e incerteza. Com certeza que não o podemos ignorar.

O orçamento está preparado para acomodar esses risco, caso se concretizem?

Está. Tivemos uma especial cautela e prudência na componente que é mais sensível em termos orçamentais, que é a parte da receita fiscal.

Mas, apesar de tudo, o que temos aqui é uma taxa de crescimento económico inferior à deste ano e uma previsão de crescimento das exportações também mais lento.

Sim, mas com a economia internacional mais fraca...

É verdade, mas, do lado do contributo externo, também acaba por ser relevante o comportamento das importações, que caem devido ao efeito combinado da quebra do consumo, investimento e consumo público.

Mobilidade especial falhou devido ao conservadorismo dos quadros do EstadoLançar uma nova versão do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE) é reconhecer que o PRACE I falhou?

Não. Creio que é o reconhecimento de que o PRACE foi uma experiência com resultados positivos. Mas, como em tudo, estas mudanças e reformas nunca são trabalho acabado.

Chegou a dizer que era a maior reforma dos últimos 30 anos.

Sim, continuo a dizê-lo. Nas actuais circunstâncias, é mais um sinal que teremos de dar. O nosso compromisso de redução do défice e de melhorar o funcionamento da administração pública (AP) é forte. Muito embora se possa dizer que, no cômputo geral, não é a medida com maior impacto, tem um significado forte de envolvimento dos ministérios e das administrações na busca de outros padrões de eficiência.

O autor do PRACE afirmou que uma nova reestruturação não seria necessária, se se tivesse cumprido o programa de 2006.

Gostaria de não comentar as afirmações do professor João Bilhim por razões de respeito pessoal.

Não ficou desiludido com o processo de mobilidade especial?

Confesso que esperava ter um pouco mais do aquilo que tivemos em termos de efeito de mobilidade. Por outro lado, temia ter menos do que tivemos. Conseguimos resultados que nunca antes foram conseguidos. Mas o facto de não se ter conseguido algo mais do aquilo que se registou denota uma cultura da nossa AP e dos quadros superiores que não é ainda uma cultura de gestão por objectivos e inspirada na natureza empresarial. É uma cultura em muitos aspectos de cariz conservador, que acabou por se reflectir nos resultados.

Estas medidas de redução da despesa não representam também um falhanço dos controladores financeiros?

Não creio que seja um falhanço. Cumpriram um papel muito importante em 2005, 2006 e 2007. De alguma forma, os serviços - e depois também as delegações da Direcção-Geral do Orçamento - incorporaram um pouco aquilo que era o apport do controlador. Penso que agora, de uma forma geral, não se justificará a sua continuação, embora isso fique ao critério dos respectivos ministros. Como movimento geral em todos os ministérios acho que neste momento não tem a relevância que teve nos anos em que foi criado.

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