Progressos salvam quatro milhões de crianças por ano mas ainda morrem 8,8 milhões

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A altíssima taxa de fertilidade ilude o avanço real nas estatísticas Foto: Radu Sigheti/Reuters

Uma criança nascida num país pobre - por exemplo, na África Subsariana - tem dez vezes mais probabilidade de morrer do que outra criança nascida num país rico. Se, contra a geografia, aquela criança sobreviver, tem duas vezes menos probabilidades de receber tratamento contra a pneumonia ou contra a diarreia - duas das principais doenças que fazem com que 8,8 milhões de crianças com menos de cinco anos continuem a morrer a cada ano que passa.

Se, ainda assim, essa criança africana - por exemplo do Zimbabué - conseguir chegar aos cinco anos de idade, tem dois terços menos de probabilidade de frequentar uma escola primária do que se vivesse num país com recursos. Esta contabilidade, contida no relatório que a UNICEF divulgou no início deste mês, mostra que as metas fixadas pelas Nações Unidas continuam por cumprir, atendendo a que as crianças são transversais à quase totalidade dos oito Objectivos do Milénio.

No tocante ao objectivo de, até 2015, reduzir em dois terços a mortalidade dos menores de cinco anos, o mesmo relatório sublinha que, entre 1990 e 2008, aquela taxa caiu 28 por cento - de 100 para 72 mortes por cada mil nados-vivos. Isto significa que há menos quatro milhões de crianças a morrer todos os anos, nas contas feitas ao PÚBLICO pela representante especial do secretário-geral da ONU para a área da Protecção da Criança (ver entrevista na pág. 6). Porém, na África Subsariana uma em cada sete crianças continua a morrer antes de completar os cinco anos e isso basta para mostrar que, dez anos depois do compromisso assumido pelas Nações Unidas, o mundo continua um lugar muito desigual. Entre os 67 países que apresentavam taxas de mortalidade infantil demasiado altas, apenas dez estão, actualmente, e ainda segundo a UNICEF, no bom caminho para atingir a meta definida.

Os países da África Subsariana - que reúnem um quinto das crianças do mundo com menos de cinco anos - contribuem com quase metade para estas cifras. Apesar de terem conseguido baixar em 22 por cento aquela taxa de mortalidade, a altíssima fertilidade fez com que, em termos absolutos, as mortes tenham na realidade aumentado: de quatro milhões, em 1990, para 4,4 milhões em 2008.

A desnutrição e a falta de acesso a cuidados de saúde primários, bem como a água potável e saneamento, estão na origem da maioria destas mortes, das quais 43 por cento resultaram directamente de doenças como pneumonia, diarreia, malária e sida.

Vacinação e desigualdades

Mas, afinal, o que é que já foi feito? Na vacinação, a UNICEF aponta os progressos alcançados na luta contra o sarampo. Em África, em 2008, a vacinação contra aquela doença já cobriu 81 por cento daquele continente - 70 por cento em 2000. Contudo, nem mesmo aqui a vitória é definitiva. A UNICEF alerta que, se não houver dinheiro para financiar as campanhas de imunização, as doenças relacionadas com o sarampo poderão matar 1,7 milhões de crianças entre 2010 e 2013.

Pela positiva: o Egipto já alcançou a meta de reduzir em dois terços a mortalidade dos menores de cinco anos, muito à conta da vacinação contra o sarampo que cobriu 92 por cento daquele território. No Vietname, a imunização chegou a 90 por cento das crianças e grávidas e a taxa de mortalidade dos menores de cinco anos baixou de 56 mortes por cada mil nados-vivos, em 1990, para 14 mortes por cada mil nados-vivos em 2008. O Bangladesh lançou a maior campanha de vacinação de sempre contra o sarampo, tendo imunizado 33,5 milhões de crianças entre os nove meses e os dez anos de idade, em apenas 20 dias.

Ainda o copo meio cheio: no Camboja uma campanha pró-amamentação fez com que a taxa de bebés que bebem leite materno tenha aumentado de 13 para 60 por cento, entre 2000 e 2005. No Congo, Gabão, Mali e Zimbabué gestos simples como a distribuição em larga escala de redes de mosquitos tratadas com insecticida contribuíram para que as mortes por malária tenham diminuído 44 por cento, entre 2004 e 2006.

As desigualdades, porém, assumem outros rostos. A meta de garantir um ensino primário universal, ou seja, que não deixasse uma única criança de fora por mais remota que seja a aldeia em que viva, continua por cumprir. A UNICEF calcula que, em 2008, mais de 100 milhões de crianças em idade de frequentar a escola primária não sabiam o que era uma sala de aula. A maior parte destas crianças (75 milhões) reside na Ásia meridional e na África Subsariana. No tocante ao ensino secundário, são apenas 12 os países em desenvolvimento em que a taxa de escolarização chega aos 90 por cento.

No tocante à igualdade de géneros, há pontos de luz a assinalar, já que dois terços dos países conseguiram em 2005 a paridade entre géneros na escola primária.

Quanto à erradicação da pobreza extrema e da fome, apenas metade dos países (62 em 118) vão ainda a tempo de reduzir estes fenómenos para metade dentro do prazo definido pela ONU - 1,8 mil milhões de pessoas viviam em 1990 abaixo do limiar de pobreza. Mais uma vez, os países mais atrasados situam-se na África Subsariana e na Ásia meridional.

Invisíveis nas estatísticas

Reverter a propagação do VIH/sida também continua uma miragem. Em 2008, à volta de 33,4 milhões de pessoas viviam com o VIH (7 milhões eram menores de 24 anos) e a UNICEF calcula que 17,5 milhões de crianças tinham perdido um ou ambos os pais por causa da sida. Naquele mesmo ano, 2,1 milhões de crianças viviam com o vírus e 280 mil tinham morrido por causas relacionadas com o VIH que eram facilmente preveníveis.

Se a criança do Zimbabué tivesse chegado à idade adulta, o mais certo era que tivesse contraído o VIH e o mais certo era também que não a pudéssemos incluir nestas estatísticas, já que, tanto na África Subsariana como na Ásia meridional, apenas 35 por cento das crianças são registadas à nascença. As restantes 65 por cento continuam a não constar dos registos oficiais, logo são estatisticamente invisíveis.

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