Nações Unidas procuram novo fôlego na luta contra a pobreza

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A Ásia e o Pacífico são a região onde há mais pessoas com fome Foto: Damir Sagolj/Reuters

A história de Zainabu Musa podia muito bem ser usada esta semana em Nova Iorque como exemplo de que o esforço para tornar o mundo melhor dá frutos e que por isso é necessário um novo impulso para os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM). Aos 13 anos, esta pequena tanzaniana já percebeu a vantagem de aprender: os irmãos mais velhos, que não estudaram porque o pai não podia pagar as propinas de pouco mais de cinco euros anuais, chamam-na para lhes ler as cartas.

Orgulhosa do seu saber, Zainabu, cuja história foi há dias contada pelo diário britânico Guardian, não poderia há apenas uma década alimentar o sonho de vir a ser advogada: o seu futuro passaria necessariamente por tarefas domésticas, casamento precoce e maternidade. Agora faz parte daquilo que o Governo local apresenta como uma revolução educativa, possibilitada pela abolição de propinas em 2002 e a obrigatoriedade de frequentar a escola para todos os que têm entre sete e 13 anos. A frequência escolar subiu de 59 por cento em 2000 para 99,6 por cento, segundo os dados das Nações Unidas, o que coloca o país bem posicionado para alcançar o ODM número dois, que visa garantir a todas crianças um ciclo de ensino completo.

Mas nem tudo é simples. O rápido crescimento leva a que faltem livros, professores, cadeiras, casas de banho... Zainabu partilha a sala com 93 colegas, mas não se queixa. O maior problema prende-se com outro dos objectivos fixados em 2000 pelas Nações Unidas: a alimentação. A escola de Kizuiani, em Bagamoyo, não fornece refeições. "Queremos comida durante o dia porque alguns alunos são muito pequenos para aguentar a fome muito tempo. Não conseguem estar atentos."

O lamento encontra expressão perturbadora nas estatísticas: a cada seis segundos morre uma criança devido a problemas provocados pela fome. Os dados sobre subnutrição divulgados na semana passada pela FAO, organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, revelam uma descida de 98 milhões no número de pessoas que sofrem fome, explicada por alguma retoma económica e pela descida dos preços dos alimentos face ao pico de 2008. Hoje em dia os subnutridos serão 925 milhões, ainda assim mais do que em 1990, ano-base para avaliar o grau de concretização os ODM, quando 842 milhões não tinham comida.

Tal facto leva a concluir que a fome é um problema estrutural, que não é eliminado de modo duradouro mesmo em períodos de crescimento económico e preços baixos. E não se pense que o problema é um exclusivo dos países mais pobres: 16 por cento dos que vivem nos países em desenvolvimento também não têm acesso fácil a alimentos.

Salvar 16 milhões até 2015

A Ásia e Pacífico são a região onde há mais pessoas com fome, 578 milhões, mas também aquela onde este ano se registaram maiores progressos: uma diminuição de 80 milhões. A região com maior prevalência de fome é a África Subsariana, com 30 por cento da população afectada. Outras formas de olhar os indicadores: dois terços dos que sofrem pela falta de alimento vivem em sete países - Bangladesh, China, República Democrática do Congo, Etiópia, Índia, Indonésia e Paquistão - e mais de 40 por cento estão na China e na Índia.

A redução da pobreza extrema tem registado progressos. Foi cortada uma significativa fatia de 400 milhões de pessoas ao número dos 1,8 mil milhões que em 1990 viviam com menos de 1,25 dólares, mas há muito caminho pela frente. Sem êxito na frente da fome e da pobreza, o êxito do conjunto dos objectivos pode ficar comprometido. "É manifesto que as melhorias na vida dos pobres têm sido inaceitavelmente lentas e que alguns avanços duramente conquistados têm sido erodidos pelas crises climática, alimentar e económica", disse há dias o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, que sublinha também o "papel central da democracia na redução da pobreza e na promoção do bem-estar".

A mortalidade infantil e a saúde materna são os campos em que menos se avançou (ver textos nas páginas seguintes). Em 2008, o último ano de que há informação, havia 72 mortes em cada 1000 nados-vivos e mais de 350 mil mulheres morrem anualmente de complicações ligadas à gravidez e ao parto. A gravidade da situação levou a que em Nova Iorque vá ser anunciada uma Estratégia Mundial para a Saúde das Mulheres e das Crianças. O objectivo é salvar 16 milhões de vidas até 2015.

Há mais mulheres a estudarem, mas a igualdade de géneros em todos os níveis de ensino até 2015 ainda vêm longe. No combate à sida, as notícias de estabilização de novas infecções na maior parte das regiões não escondem o muito que há a fazer para diminuir o número de 7400 contaminações por dia nem tão-pouco o rasto letal da malária, que mata uma criança a cada 45 segundos. Os ganhos em matéria de sustentabilidade e de aposta no desenvolvimento são insuficientes, mas confirmam, também nessas áreas, avanços.

Os dirigentes que esta semana se encontram em Nova Iorque sabem que ter fixado os ODM, em 2000, permitiu "enormes progressos", ainda que nem sempre a distribuição de ajuda seja transparente nem eficiente. Na tentativa de dar um novo fôlego a esta agenda, os responsáveis das Nações Unidas defrontam-se com dúvidas sobre a capacidade de alcançar os objectivos no prazo previsto.

Ajuda-recorde em 2009

Na semana passada foi anunciado um nível-recorde de ajuda de 120 mil milhões de dólares no ano passado, mas as Nações Unidas manifestaram receio de que a falta de meios ponha em perigo os ODM. As limitações provocadas pela crise económica e financeira (ver texto em baixo) são um obstáculo de monta à concretização dos objectivos assumidos em 2000. Mas, para além disso, "os doadores estão a dizer que só vão pagar por aquilo de que vejam resultados", observou Todd Moss, do Centre for Global Development, um think-tank de Washington, ao Financial Times. "Foi a maior promessa de todos os tempos. Mas podemos mantê-la?", escreveu em título o Guardian.

Para além de medidas concretas, admite-se que da cimeira desta semana saiam novas abordagens na ajuda ao desenvolvimento: mais do que empreenderem esforços "paralelos", os países doadores devem "apoiar os esforços desenvolvidos pelos próprios países", designadamente apoiando os fornecedores locais, disse Rajiz Shah, director da USAID, agência de ajuda pública ao desenvolvimento dos Estados Unidos.

O secretário-geral da ONU, optimista como lhe compete, manifestou-se a favor de procura de modos de financiamento inovadores, como a cobrança de uma taxa sobre os bilhetes de avião ou as transacções financeiras. Procuram-se soluções porque "ficar aquém das metas estabelecidas multiplicará os perigos do nosso mundo, desde a instabilidade às epidemias e à degradação ambiental", disse há dias.

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