"Amêijoa, berbigão, lingueirões, ostras: com esta areia morre tudo"

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Turistas aproveitam a passagem, que é má notícia para os pescadores Foto: Virgílio Rodrigues

Assoreamento da ria Formosa é aproveitado pelos veraneantes para atravessar para as praias de Cacela, mas pescadores estão preocupados.

Os problemas de assoreamento na ria Formosa têm-se agravado nos últimos meses no limite oriental da reserva natural algarvia. Este Verão, na zona da península de Cacela, o leito da ria está mesmo ocupado por um banco de areia, que originou uma inédita passagem pedonal entre a localidade de Fábrica e o mar. A situação facilita a deslocação dos veraneantes até à praia, mas os pescadores artesanais da zona temem o desaparecimento de espécies de bivalves.

Até agora, o acesso à praia, no extremo da península de Cacela, era apenas possível a pé a partir da praia de Manta Rota ou de barco atravessando a ria, na maior parte dos casos a partir do lugar de Fábrica, pequena aldeia próxima de Cacela Velha, onde os pescadores realizam as travessias. Mas este ano tudo mudou.

Onde antes corria o leito da ria em direcção ao mar há agora um enorme banco de areia onde os barcos de pesca artesanal e pequenas embarcações de recreio estão encalhadas e de proa apontada para o céu. Na altura da maré-baixa, por entre as embarcações, abre-se um caminho pedonal que liga a pequena aldeia piscatória à praia semideserta.

"A ria tem vindo a assorear bastante nos últimos cinco anos, mas no Inverno passado piorou bastante e já começou a surgir um caminho pedonal para a praia. Estou aqui há dez anos e nunca tinha visto nada assim", diz Francisco Queirós, 42 anos, funcionário do restaurante O Costa, em Fábrica, localizado mesmo em frente à península de Cacela.

As alterações que estão a ocorrer no leito da ria até facilitam o percurso dos veraneantes até à praia, mas para os pescadores artesanais da zona, o assoreamento da ria está a provocar prejuízos avultados. "Amêijoa, berbigão, lingueirões, ostras: com esta areia morre tudo", descreve Marco Silva, 36 anos, pescador da zona de Cacela.

José Carlos Barros, vice-presidente da Câmara de Vila Real de Santo António, não tem dúvidas de que a situação de assoreamento coloca "sérios entraves" ao aproveitamento económico da ria. "Não só dificulta a entrada e a saída das embarcações da barra como prejudica e muito os pescadores de bivalves e moluscos, que por causa da falta de oxigénio estão a morrer", afirma.

Enquanto a situação não é resolvida, os turistas têm aproveitado as horas de maré-baixa para encurtar caminho no acesso à praia de Fábrica-Mar. João Salgueiro, de 54 anos, passa férias nesta zona há mais de 24 anos e neste Verão, pela primeira vez, ainda não precisou de utilizar o barco de borracha que traz sempre no tejadilho do Opel branco. "Demorava dois minutos a atravessar a ria de barco, mas este ano vamos a pé", conta.

Quando a maré enche, o nível da água não chega a ultrapassar os joelhos. Contudo, quem conhece a zona, diz que mesmo nessas circunstâncias pode ser perigoso atravessar a ria a pé. "Apesar de o nível da água ser muito baixo, há sempre correntes que podem ser perigosas", alerta Francisco Queirós, habituado a ver o vai-e-vem das águas do terraço do restaurante.

Estudo do LNEC definirá áreas de intervenção prioritárias

Os problemas de assoreamento na ria Formosa não são inéditos e já estiveram na origem, em 1999, de uma dragagem geral de toda a ria, realizada pelo Instituto de Conservação da Natureza. Em algumas zonas, a situação tem vindo a complicar-se e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) está actualmente a realizar um estudo onde serão identificadas zonas prioritárias de intervenção.

Na bacia da península de Cacela, por causa da escassa circulação de água na ria e com os bivalves a morrer por falta de oxigénio, a autarquia de Vila Real de Santo António, em articulação com a Administração da Região Hidrográfica (ARH) do Algarve, realizou, há cerca de dois meses, uma intervenção de urgência que consistiu na abertura de uma nova passagem da ria para o mar.

"Estávamos perante um problema grave e a intervenção possibilitou o funcionamento, ainda que precário, da barra", afirma o vice-presidente da Câmara de Vila Real de Santo António, José Carlos Barros. Devido à complexidade do sistema lagunar da ria Formosa, o autarca alerta para o facto de estas intervenções terem sempre um carácter "experimental", sendo que, por essa razão, os resultados da mesma "estão a ser avaliados".

A autarquia diz estar disponível para participar em intervenções de "longo prazo" que possam atenuar ou resolver a situação de assoreamento da ria, mas defende que a iniciativa tem que partir "do lado da administração central e das instituições a quem compete a gestão dos domínios públicos hídricos".

No caso do Parque Natural da Ria Formosa, a gestão dos domínios hídricos pertence à ARH, mas há outras instituições com competências na gestão deste território: ao Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade compete a gestão da reserva natural e a sociedade Polis Litoral Ria Formosa conduz uma intervenção de requalificação da zona.

A ARH revelou que a situação de assoreamento da ria Formosa está actualmente a ser "avaliada" num estudo que foi encomendado pela Polis Litoral ao LNEC, estudo esse que deverá identificar também "as zonas onde deverão ser realizadas operações de dragagem". Neste momento, a ARH diz não ter ainda os resultados do estudo, não estando por isso prevista nenhuma intervenção específica para resolver o problema de assoreamento na zona de Cacela.

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