Artistas independentes são quem mais vai sofrer com os cortes

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Gabriela Canavilhas diz que não há um ambiente catastrófico no ministério Pedro Cunha

O teatro e a dança. O cinema. Gabriela Canavilhas reconhece que "o cenário é dramático" em alguns sectores. Mas diz que não cairá nenhum projecto.

Na primeira entrevista desde a promulgação do decreto de execução orçamental, com as medidas de contenção do Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC), a ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, há seis meses no cargo, traça o retrato de um ministério com milhares de trabalhadores independentes, muitos intermitentes, sem apoios sociais. São, precisamente, os que mais vão sofrer com a crise e os cortes previstos, reconhece.

Quando chega ao ministério anuncia um orçamento para 2010 que, nas suas palavras, iria “fazer a diferença”. Antes das imposições do Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC) foram atribuídos à área 236,5 milhões de euros, o segundo orçamento mais baixo para a Cultura em cinco anos e que agora terá ainda cortes importantes. Como ministra, e como artista, como agente que vem do terreno, sente que está a defraudar?

Não. Sempre que falei nas expectativas do orçamento da Cultura falei em expectativas em relação a uma descriminação positiva por parte do primeiro-ministro e do ministro das Finanças. O que aconteceu. Tivemos um aumento de mais de 13,5 por cento. Só [no orçamento do Ministério] da Cultura. Isto para além de um orçamento bastante significativo vindo de parcerias com outros ministérios. O conjunto atira para um orçamento de 300 milhões de euros. O aumento foi real. Relativamente ao fazer a diferença, reafirmo: sendo pequeno, médio ou grande, faz diferença a forma como [um orçamento] é executado, fazem diferença as orientações estratégicas. Portanto, o orçamento que temos vai fazer a diferença.


Seja como for, com os cortes, o MC perde 13 milhões. Como se vai distribuir essa perda? No fundo, a pergunta é: quem vai sofrer mais?

Claramente, vamos ter um período muito difícil sobretudo para os independentes. Estamos a tentar evitar perdas de 20 por cento, tentando – e esta lei [artigo 49º do Decreto de Execução Orçamental] permite-nos isso – ir buscar 10 por cento a iniciativas já previstas e com compromissos assumidos. Por via desses 10 por cento, [vamos] tentar manter a actividade dos independentes com um mínimo de dinamismo até sobrevivermos a este ano tão difícil para todos nós, Cultura, educação, saúde, segurança social, trabalho... Todos sabemos as dificuldades que o país está a atravessar e as regras muito restritas de contenção indispensáveis para chegar ao fim do ano com as metas do défice atingidas. [No Ministério da Cultura] Estamos solidários com este espírito colectivo. Quando chegar ao fim do ano vamos esperar que tenha feito sentido este esforço e que possamos iniciar o próximo ano com outras perspectivas.


Está a falar de cortes na DGA.

A DGA é, de facto, a direcção-geral que tem a maior parte da sua actividade em PIDDAC. São 22, 1 milhões em PIDDAC. É o centro de actividade que queremos proteger o mais possível. Vamos direccionar para a DGA verbas vindas de outras rubricas e projectos para compensar a retenção de 20 por cento.


É dos braços operativos do ministério aquele que, em termos sociais, mais afecta a vida das pessoas ligadas à Cultura.

Sem dúvida.


E o que vai acontecer agora exactamente? Vai fazer o corte.

Vou tentar que não chegue aos 20 por cento, com a salvaguarda de verbas que conseguimos com os 10 por cento permitidos por esta norma, retirados a compromissos já assumidos.


Mas onde, exactamente? Ao património, que tinha previsto 35 por cento do orçamento do orçamento do ministério? Arquivos? Bibliotecas?

A todas as actividades do ministério. A nossa preocupação é salvaguardar as instituições que vivem numa dependência quase total da DGA e minorar o impacto. Num espírito de solidariedade geral, entre todas as instituições financiadas por nós, tentar distribuir este esforço colectivo de contenção. Razão pela qual é precisa a norma dos 10 por cento.


Não respondeu exactamente de onde vem o dinheiro. É por ainda não está decidido?

É uma lista enorme: fundações, orquestras, fundos de aquisições de obras de arte.... Toda a actividade cultural deste país, tirando dois ou três exemplos muito especiais, têm financiamento total ou parcial do MC. Portanto, se todas as instituições contribuírem, conseguimos manter a DGA com o mínimo de funcionamento.


Já disse que “o ministério tem que ter a coragem de diminuir o número de apoios e apostar na qualidade”, deixar se de se preocupar em “satisfazer clientelas”. Nesta gestão a fazer agora, é uma estratégia a pensar?

Nesste período muito complexo que se vive no mundo, no meio de tanta dificuldade, se calhar podemos parar para rever mecanismos, estratégias de fundo. Estabelecer a longo prazo estratégias que possam ficar menos dependentes destas flutuações. Vamos empenhar-nos - já o estamos a fazer, em várias áreas – na revisão legislativa de mecanismos que suportam a política do ministério.


Portanto, aproveitar a crise para rever prioridades.

A própria crise e o estado de espírito que cria é suficiente para fazer as pessoas pensar. É um momento em que ficam expostas a fragilidades, capacidades desconhecidas de ultrapassar dificuldades. É um período que, estou certa, será benéfico para uma revisão dos princípios e dogmas que damos como adquiridos. Com as crises muitas coisas são postas em causa. Com um olhar muito mais cru, eventualmente, novos caminhos se podem abrir.


Fragilidades e dogmas a rever. Por exemplo?

São muitos. Há práticas com seguimento há muitos anos e que ninguém parou ainda para questionar. Esta é a altura em que temos que parar para pensar. Perceber, por exemplo, de que forma podemos preparar o terreno para quando a crise for ultrapassada termos um esqueleto cultural com capacidade de ser mais perene e fundamentado.


Mencionou as fundações. Reuniu há já algum tempo com os presidentes. O que lhes está pedido, neste momento?

Que entendam e se solidarizem com o nosso esforço de consolidação orçamental na Cultura face às cativações. Que se juntem a nós no esforço de distribuir um pouco mais justamente as faltas de dinheiro.


O Decreto de Execução Orçamental diz que, “excepcionalmente, as transferências de capital para instituições sem fins lucrativos, relativas a comparticipações ou contribuições financeiras para fundos para aquisição de obras de arte respeitantes ao ano de 2010, não se realizam”. Isto quer dizer que o Museu Berardo e Serralves não recebem este ano o contributo com que o Estado está comprometido?

Estamos a falar de uma contribuição do ministério que orça, no seu conjunto 1,3 milhões, para aquisições. Durante este ano não vai ser possível fazer essa contribuição, portanto, este ano não vai ser possível fazer aquisições com estas verbas.


Em relação ao Museu Berardo, isso permite ao coleccionador sair do museu com a sua colecção, se quiser.

O Museu Berardo já recebeu [este ano] 1,5 milhões de euros, a primeira fatia dos 3 milhões [previstos de atribuição estatal]. São os 500 mil euros [anuais] para aquisições de obras que não vão receber.


Suficiente para a denuncia do acordo...

Acho que não. Além disso é verba que não inviabiliza postos de trabalho, funcionamento nem congelamento de nenhuma actividade. É apenas por um ano suspender o enriquecimento do acervo. Não me parece dramático. Do meu ponto de vista, aliás, é a retenção de verba que causa menos problemas.


Seja como for, é uma quebra do acordo.

Estou certíssima que o comendador Berardo percebe e está solidário com esta nossa necessidade de contenção de custos.


Já falou com ele?

Já. Ainda hoje estive ao telefone com ele. Aliás, ele foi o primeiro na reunião que tivemos com os presidentes das fundações a mostrar a sua total solidariedade com a necessidade de as fundações contribuírem na redistribuição de verbas por todo o tecido cultural.


Tendo que fazer sacrifícios, há projectos do MC que se vão deixar cair?

Não. Nenhum projecto será afectado ao ponto de não poder prosseguir. Todos estão encaminhados e as verbas previstas em 2010 não põem em causa a sua realização. Vai haver, sim, uma diminuição da capacidade de actuação das instituições independentes e isso preocupa-me.


Uma das iniciativas que se podia pensar cair: o Museu dos Coches, que, face à situação dos museus existentes, foi dado como um “esbanjamento” quando anunciado pelo seu antecessor, José António Pinto Ribeiro.

Temos dito até à exaustão que o Museu dos Coches não é pago pelo MC e sim pelas contrapartidas do Casino. Temos custo zero relativamente ao Museu dos Coches.


As do Casino, não são verbas que se poderiam ser alocar a outros projectos?

Não. Nem passam pelo MC. São como o [Teatro Nacional de] São Carlos, o Dona Maria, o São João. São verbas que vêm do Ministério das Finanças.


A transferência do Museu Nacional de Arqueologia é outro caso.

Esse faz parte do nosso orçamento. As verbas para os estudos que estão a ser feitos são nossa responsabilidade. E não serão afectadas a ponto de não podermos prosseguir na fase em que estão agora.


Apesar de estar a ser um processo extraordinariamente polémico...

Não acho nada. A visibilidade pública da polémica, se virmos com atenção, tem sido motivada por apenas duas ou três pessoas. Não tem uma dimensão grande. É o movimento restrito de um grupo restrito. O facto de ter muita visibilidade nos jornais não significa que seja emanado de uma força civil com significado.


Raramente na cultura as movimentações vêm de grandes forças civis.

Olhe que não. Veja o caso do Museu de Arte Popular. Foi um movimento, esse sim, com uma força muito interessante. No caso da Arqueologia é o director e duas ou três pessoas mais... Mas estamos em fase muito preliminar, que não implicam verbas grandes, pelo que não será um problema.


Mas há projectos em finalização, por exemplo, o Museu do Parque do Côa cuja inauguração esteve prevista até já para o final de Junho...

Foi adiada um mês. Está prevista agora para o mês de Julho. E também não será afectado. Vamos fazer um acordo tripartido com Ambiente e o Turismo. A parte de cabe ao MC é um milhão e temos esse milhão


De repente, dir-se-ia que o cenário nem é dramático.

O cenário é dramático para a DGA. “Dramático”: não gosto da expressão. O cenário é preocupante e queremos torná-lo menos preocupante. Também o cinema vai ser vai ser uma área afectada. É uma área a que nos temos dedicado. Estamos a trabalhar afincadamente na revisão da lei da cinema precisamente para a partir de 2011 ser alargada a base contributiva para o Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) e o Fundo de Investimento para o Cinema e Audiovisual (FICA). Mas, em 2010, o ICA também vai ser sujeito a uma retenção de 20 por cento das receitas, nomeadamente de receitas de publicidade.


Mas se, como na DGA, a retenção do ICA fosse apenas na parcela de dinheiro do PIDDAC [Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central], que é pequena, o instituto não era afectado de maneira significativa...

Tem toda a razão, mas [a retenção] também abarca as receitas do ICA e, portanto, é um sector que também vai ficar penalizado. A nossa esperança é que a maior parte dos contratos em curso prevejam cumprimento para 2011. Vamos tentar o mais possível que saiam deste ano civil de 2010. E esperamos que 2011 depois não tenha também estes problemas. O cenário, como se sabe, é muito instável.


Por isso mesmo, não há garantias de que o próximo ano seja diferente.

É verdade. Mas é fundamental que 2010 seja um ano em que se cumprem as metas do défice. Se se cumprirem teremos uma visão mais optimista de 2011. É fundamental que este esforço todo resulte numa efectiva redução do défice.


Ainda antes do recrudescer do ambiente de crise, com o PEC, tinha dito considerar que o financiamento ao cinema assente na cobrança de taxas de publicidade às televisões “estava esgotado” e que é ilusória a hipótese de o Estado alocar verbas significativas no ICA. Vais propor outro modelo?

Consta da revisão da lei do cinema em que estamos a trabalhar e sobre que é prematuro dar informação. Parece-nos mais interessante avançar para uma participação sobre o volume de negócios das empresas do que sobre as taxas de publicidade. Mas é uma matéria sobre que gostaria de dar conhecimento público apenas quando estiver consolidada.


Quando poderá ser?

O meu compromisso com o sector, e que pretendo cumprir, é antes do final do ano. Talvez a seguir às férias, em Setembro, já tenhamos condições. Mas primeiro quero apresentar ao sector, ouvir intervenientes. Setembro, Outubro será uma boa altura para ter o projecto fechado.


E o caso Cinemateca-Porto? Prometeu a instalação desse pólo, mas a nova directora da Cinemateca já disse que, para ela, não é uma prioridade. O que vai acontecer? Qual dessas visões antagónicas vai vingar?

Uma coisa é a Maria João Seixas dizer que não considera ser a coisa mais importante a fazer. Outra coisa, que não fez, é comunicar que não iria dar seguimento às prioridades do ministério. Apenas expressou um sentimento íntimo, e tem todo o direito de o fazer. Mas está solidária com a nossa posição e a envidar todos os esforços no sentido de a nossa determinação ser efectivada.


Portanto, apesar da opinião da directora da Cinemateca, a Cinemateca-Porto é para avançar...


Claramente.


Ainda este ano?

Os procedimentos estão a seguir. Este ano é um ano atípico em termos de poder cumprir prazos, uma vez que todo o processo de aprovação do orçamento entrou por 2010. É um ano atípico. Os procedimentos estão todos atrasados. Mas os procedimentos em relação à Casa do Cinema do Porto estão a ter seguimento.


Formas de fazer entrar dinheiro no sector: por exemplo, o cheque-obra [ao abrigo do qual empresas a fazer obras de valor superior a 2,5 milhões dão um por cento do valor da obra para a recuperação de património imóvel]. Poderia ser uma forma de canalizar dinheiro para o Património, uma pasta pesada do MC. Mas está parado.

Há uma série de projectos combinados com empresas, alguns muito interessantes. Está parado por um impasse administrativo, parado numa secretária de um administrativo, um impasse que não tem significado.


Um projecto de financiamento parado por um impasse administrativo. A gestão administrativa continua a ser um peso terrível no Ministério da Cultura.

No Ministério da Cultura e em toda a administração pública. A lentidão e o peso administrativo é o preço a pagar para garantir a transparência dos procedimentos, para proteger o cidadão,.


Não seria possível agilizar nem mesmo um ministério pequeno como a Cultura?

Estamos sujeitos às mesmas regras em tudo o que diz respeito à máquina burocrática do Estado. Concursos, por exemplo.


Precisamente. Quase todos os seus antecessores mexeram nos concursos em anunciadas tentativas de agilização.

Eu penso até que o que está em vigor é o mais complicado de todos. Iniciei o meu mandato afirmando-me por dar tempo à legislação de comprovar a sua eficácia, constatando que as constantes alterações causam perturbação no sector e perturbação óbvia na forma como os agentes se relacionam com o MC e a DGA. Comecei por referir que iria tentar mudar o menos possível para tentar garantir uma estabilidade legislativa, que é muito importante. Hoje estou certa de que vai ser preciso mexer novamente nas regras em vigor na DGA. Para tornar o sistema mais fácil e porque penso que há melhorias substanciais que podem ser implementadas.


Por exemplo?

Entendo que temos que criar condições no nosso país para os artistas e agentes culturais terem mercado. Temos que apostar e criar condições de mercado. Isto fará com que maior número de agentes esteja na actividade como contratado, interveniente directos, e não como dependente de subsídios. Criando uma teia de estruturas com capacidade financeira e compromissos com o MC para garantir programação contratando agentes – ou seja, criando pólos de economia cultural – criamos melhores condições, estabilidade e dignidade para os agentes. Diminuiria muito o espectro dos subsídios. É uma aposta que quero muito desenvolver e que vai assentar na rede de teatros e Cineteatros. As estruturas já estão feitas há vários anos pelo Ministério com apoio da Tabaqueira. Agora falta dotá-las de capacidade e recursos humanos, dinheiro, direcções artísticas para lhes dar vida, para serem motores de economia cultural espalhados pelo país. É uma ambição de gostaria muito de prosseguir. Já muda muito o paradigma de dependência de concurso da esmagadora maioria dos nossos agentes. Por outro lado, não me parece que faça sentido que um grande número de agentes independentes, quando estão activos há trinta anos, já provaram a sua qualidade, a sua capacidade de se prolongar no tempo, de criar emprego, continuem a ir a concurso. Deviam ter redes de ligação directa com o Ministério, protocolos. Estou a falar de estruturas financiadas há décadas e que já tem compromissos de mais de 600 mil euros por ano, verbas parecidas com fundações. Faz sentido que vão a concurso? Para mim, não faz. E permitiria libertara a carga dos concursos. Permitiria também incentivar mais novas obras, novos criadores.


Quando associa a rede e um regime de contratação que imagem tem? Um modelo semelhante ao francês, de que temos exemplo com a companhia do [coreógrafo] Paulo Ribeiro [em Viseu]?

Exactamente. Tentar criar um esqueleto sólido pelo pais. E que possam ser essas as estruturas contratadoras. Mas as possibilidades são múltiplas.


Voltando à DGA. Há pouco tempo, o director, Jorge Barreto Xavier, explicou que estava a funcionar com os mínimos. O que é que se pode esperar agora, ao olhar para esta direcção-geral?

Tem que perguntar ao Jorge Barreto Xavier.


Mas estará em articulação com ele, neste momento...

Temos que trabalhar com o que temos, neste momento. Se calhar é uma oportunidade de perceber que é possível fazer muito mais do que se pensa.


Fazer mais com menos, como disse o seu antecessor?

Não foi o que eu disse. Disse que se calhar é uma boa oportunidade de perceber que, se calhar, podemos fazer mais com o que temos.


Falou na criação de mercado; há também o mercado internacional, para a projecção da arte portuguesa. Mas a DGA não tem tido fundos para muitos projectos nessa área...

A DGA não devia ter essa matéria sob sua alçada. Terá que haver uma relação muito forte com o GPEARI [Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais] porque ele tem a seu cargo as políticas culturais relativamente ao exterior. Com a DGA, o Camões, o Ministério da Economia é possível criar uma plataforma para divulgação mais eficaz.


Há casos de sucesso, mas também casos recentes de tentativas mal sucedidas de articulação do MC com o Ministério da Economia. Por exemplo, o caso da exposição “Encompassing The Globe”, que teve apoio de privados portugueses para a realização nos Estado Unidos, mas que cá não os conseguiu.

Não acompanhei esse processo. Estava nos Açores. Mas não estava a pensar em privados, estava a pensar mecanismos de internacionalização, em termos puro e duros de Economia. Todos sabemos que as Indústrias da Cultura são matéria exportável e geradora de riqueza. Sob esse princípio o Ministério da Economia pode, deve e vai, tem intenção de – porque já falai com o meu colega e ele está entusiasta – encontrar connosco plataformas que possibilitem a internacionalização da cultura portuguesa olhando para esta matéria como para empresas que precisam de consolidação e incentivos empresariais para a sua projecção. [A reflexão sobre as Indústrias da Cultura]


tem trazido um novo olhar sobre o sector, que deixa de ser visto como um sector que consome e gasta para ser visto como um sector que produz riqueza e justifica o investimento feito nele.


Precisamente, nesse sentido, não aproveitou o Estudo Mateus, sobre Portugal, que prova para pedir reinvestimento na Cultura.

Esse estudo sai nos primeiros meses do mandato, já com um orçamento previsto. E a reivindicação de mais dinheiro é um estado de espírito constante. Em todos os sectores. O país precisa de mais meios em todas as áreas. E nunca escondi isso. Mas temos os meios que neste contexto específico é possível ter. Uma ministra consciente da situação financeira [do país] não podia usar isso como bandeira. Sou absolutamente solidária com a necessidade que o país tem de se reabilitar financeiramente. Em todas as áreas.


Parece, apesar de tudo, extraordinariamente optimista.

Temos que ser optimistas. Não ganhamos nada com derrotismos e miserabilismos. Não faz parte da minha natureza e não deve fazer parte do espírito com que temos que atravessar este período. Com espírito negativo muito dificilmente chegaremos a bom porto. O período é muito difícil para o país – não estou a dar nenhuma novidade: toda a gente sabe isto. Encaremos este período com as possibilidades que também nos traz. Sobretudo, olhando para o que resulta destes cortes e da acção do MC, pode-se ver que não há um ambiente catastrófico no MC. Não há nenhum projecto em causa, nenhuma situação inultrapassável. Com a distribuição mais equitativa dos custos da cativação conseguimos salvaguardar muita da actividade da DGA apesar de ser o sector que sofre um pouco mais.


Não era possível o corte não ter incidindo sobre o PIDDAC que é a quase totalidade do orçamento da DGA?

É muito difícil fazer medidas específicas. Foram medidas tomadas a eito. Cegas, de alguma maneira. Têm que o ser, neste contexto. Portanto, quando fala no meu optimismo, não quero que seja visto como falso ou fútil. Estou certa de que vamos conseguir chegar ao fim do ano com as nossas estratégias apontadas para o futuro, com a lei do cinema, estatuto de bailarinos, lei da cópia privada, a lei do depósito legal... Temos uma série de medidas legislativas que vão dar resultados ainda em 2010. Uma lista também em andamento na área dos museus, como o protocolo com a Marinha...


O novo museu dos Jerónimos é outro projecto para a avançar?

É um projecto apaixonante. Finalmente Lisboa terá um espaço onde celebra os Descobrimentos, um dos dados da nossa história mais relevante para nós, enquanto povo. Não é um projecto que nos onere de forma a que não possamos responder. Precisa de três anos de preparação e essa preparação faz-se agora, em tempos de crise. Vamos fazê-lo com os especialistas de topo, no mundo, na área.


É quase regra no MC a tentação de criar obra ou uma bandeira. A língua, o património...

Não tenho tentações nenhumas.


O que é que isso quer dizer?

Não entro nas coisas por tentação, mas por análise racional, lógica, e por entusiasmo, por paixão. Estamos a lançar projectos com estratégia de futuro. Os períodos de crise têm esta vantagem. Estimular a nossa criatividade e lançar bases para o futuro.


Haveria uma linha de água abaixo da qual traçaria o seu limite?

Em termos orçamentais? Claro. Há sempre limites.



Qual seria o seu?

Não diria mesmo que soubesse. Mas temos que sentir que temos uma posição de respeitabilidade e dignidade no quadro do governo. Isso não tenho dúvidas que temos. O primeiro-ministro tem sempre perante a Cultura uma posição de discriminação positiva.


Nem sempre. No fim do primeiro mandato reconheceu que não tinha dado a atenção devida ao sector.

Neste segundo mandato. Sempre.


Na pele de artista, neste momento, qual seria a sua prioridade? Como olharia para a tutela, a DGA, esperando ser apoiada?

Fui independente durante 20 nunca fiz um pedido de subsidio. Sabe porquê? Porque era contratada. E é isto que eu queria que no futuro os artistas tivessem: contratos, em vez de subsídios.


Tem a ver com a revisão orçamental o facto de os subsídios para apoio a projecto do primeiro semestre de 2010 ainda não estarem atribuídos?

Estão atrasados por mecanismos operacionais e porque se estava à espera da lei de execução orçamental para ver o que aí vinha. Queríamos ter uma ideia mais precisa de que tipo de consequências iam decorrer para a DGA. Agora estamos na posse dos dados. Muito rapidamente o processo estará resolvido.


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