Perfil dos três candidatos a primeiro-ministro

Foto
Reuters/Staff

David Cameron
O jovem aristocrata ambicioso que mudou o rosto dos conservadores

Estas legislativas não foram apenas sobre "personalidades e princípios", como escreveu a "Time" em Abril. Mas é verdade que poucas vezes como na actual campanha se discutiu tanto o carácter dos líderes partidários - muito também por influência dos inéditos debates televisivos.

Isso pode não ser boa notícia para David Cameron, 44 anos, o jovem líder conservador que revolucionou o discurso de um partido visto como demasiado "desagradável" para voltar ao poder, mas que é ele próprio a imagem do privilégio que muitos britânicos continuam a associar aos tories.

"Ele é tudo o que um moderno político num país determinado a ver-se orgulhosamente como de classe média não deveria ser", sublinhou a "Vanity Fair" num perfil que traçou de Cameron, desde 2005 à frente da oposição. Saído da "prateleira de cima" da sociedade britânica (numa descrição BBC), ao contrário dos seus antecessores, Cameron é filho de um bem-sucedido corretor de Londres e da herdeira de uma reputada linhagem de políticos conservadores. A mulher, Samantha, é ainda mais aristocrata, apesar de mais próxima dos círculos artísticos e boémios.

Seguindo a tradição familiar, Cameron estudou em Eton - o mais elitista dos colégios privados do país. E em Oxford, onde se licenciou em Política e Filosofia, pertenceu ao restrito clube Bullingdon, onde só se entra por convite.

O seu círculo íntimo é ainda hoje composto por antigos colegas de escola e do departamento de política dos conservadores, onde ingressou logo após a faculdade e onde conheceria George Osborne, hoje seu ministro sombra das Finanças e principal estratega. Um círculo elitista e cosmopolita, que cresceu em influência durante a liderança de Michael Howard e a quem a imprensa apelida de "clube de Notting Hill".

Cameron não gosta das constantes referências ao seu meio social e, em 2009, acusou os trabalhistas de estarem a desenterrar a "guerra de classes" depois de Gordon Brown ter feito várias referências ao seu passado em Eton. O partido que lidera, garante, já não é "o partido do privilégio" que foi durante séculos e, mesmo não renegando os princípios, bate-se hoje causas diferentes das que fizeram o sucesso de Margaret Thatcher.

Foi com essa mensagem de renovação - "um conservadorismo moderno e com compaixão" - que Cameron arrebatou a liderança dos tories em 2005, apenas quatro anos depois de se ter estreado no Parlamento.

Para quebrar o ciclo de três derrotas, argumentou, o partido teria de "descontaminar-se" da velha imagem, rumar ao centro e ultrapassar velhos preconceitos - um novo partido Tory para responder ao New Labour de Tony Blair. "Ele é o primeiro líder conservador a parecer natural quando pedala na sua bicicleta", escreveu o "Telegraph" quando Cameron, cioso das suas credenciais ecologistas, se deixava fotografar no papel de ciclista (hoje prefere o jogging).

Sob a sua liderança, os conservadores insistem na diminuição do peso do Estado, mas a redução de impostos já não é um valor em si; defendem o casamento como pilar da sociedade, mas reconhecem também as uniões homossexuais; propõem cortes nas despesas, mas fazem do serviço nacional de saúde a sua "prioridade número um". Um apego que David Cameron explica com os cuidados prestados ao primogénito, Ivan, nascido com deficiências profundas e que viria a falecer em 2009 - dupla tragédia que ensombra a vida de um homem a quem sempre tudo pareceu fácil.

Mas para alguns a renovação não passa de um exercício de relações públicas - a única profissão que Cameron exerceu fora da política quando, durante sete anos, foi o rosto da Carlton, proprietária da televisão ITV. "Não acredito, nem por um minuto, que ele ache boa ideia proteger o serviço nacional de saúde", confidenciou à "Vanity Fair" o editor da conservadora revista "Spectator".

Dentro do partido, a renovação não convenceu todos, mas é entre os eleitores que Cameron, apesar do seu à-vontade frente às câmaras e discurso apelativo, enfrenta mais dificuldades. "Os peritos em sondagens dizem que os britânicos estão cansados do Labour mas ainda estão nervosos sobre como será a vida num governo liderado por Cameron", escreveu a "Time", acrescentando que, "apesar de todos os seus esforços", "subsiste a incerteza sobre aquilo em que ele realmente acredita".

Gordon Brown
O político cerebral e obstinado que não soube ser popular

"Se isto é apenas sobre estilo e relações públicas, então não contem comigo." A frase, dita no início do segundo debate a três na televisão, ilustra bem aquele que foi o cérebro da revolução ideológica que reconduziu o Labour ao poder e que, na década seguinte, se tornou no mais poderoso ministro das Finanças britânico da era moderna. Avesso aos holofotes, irascível e com uma imagem difícil de vender aos eleitores da era da televisão. Mas também cerebral, obstinado e com uma forte consciência social.


Um homem sério para os tempos difíceis. É esta a mensagem preferida de Gordon Brown. Disse-o na conferência trabalhista em Setembro de 2008, pouco mais de um ano após chegar ao poder, quando os mercados financeiros cediam ao pânico e o partido se afundava nas sondagens, minado pelas suas indecisões e desgastado pelas rivalidades internas. Mas Brown, num dos seus melhores discursos, garantiu que estava na política "não para ser popular" mas para tomar as decisões certas, e acrescentou: "Este não é um tempo para noviços." A frase, mil vezes repetida, colou-se a David Cameron, seu adversário e antítese.

Mas não é só a experiência que o distancia do líder conservador. Brown apresenta-se como um homem do povo, "nascido numa normal família de classe média" que soube cedo o que era a pobreza. Viu-a em Kirkcaldy, pequena cidade escocesa afectada pelo declínio industrial britânico para onde a família se mudou pouco depois de Gordon nascer, em 1951. O pai, John, era ministro da igreja presbiteriana e à casa paroquial acorriam com frequência as famílias dos mineiros e dos operários desempregados.

É o pai, recorda, quem molda as suas convicções políticas, apontando-lhe as injustiças que o rodeiam e incutindo-lhe o sentido de dever para com os mais pobres. Marcas que alimentam a paixão pela política que o levariam, ainda na adolescência, a filiar-se no Labour. Por essa altura, estudava já História na Universidade de Edimburgo, onde entrara com 16 anos incompletos, depois de ter sido incluído num projecto que permitia aos alunos sobredotados saltar de ano.

Na universidade, envolve-se na política estudantil - foi o primeiro estudante a ser eleito para a chefia dos órgãos dirigentes da universidade -, mas conhece também a primeira adversidade. Um acidente sofrido num jogo de râguebi, um dos vários desportos que pratica, provoca-lhe o descolamento da retina em ambos os olhos. Perde a visão no esquerdo e só várias intervenções e meses de convalescença lhe permitem salvar o direito.

Em 2000, já ministro das Finanças, sofreria outro golpe - a morte da filha, nascida prematura -, um episódio que recordou numa já célebre entrevista em 2009, em que tentou mostrar o seu lado mais humano, abrindo as portas de uma vida privada ciosamente guardada da imprensa durante mais de uma década.

Um traço de personalidade que, em 1994, lhe custaria a liderança do Labour para Tony Blair. Ambos foram eleitos para os Comuns em 1983 (Brown após uma primeira tentativa falhada em 1983) e, para além do gabinete, partilharam durante anos a ambição de modernizar um partido que se distanciara do mundo. Mas a um Brown sorumbático, sem vida social, obcecado pela política, o partido inclina-se para um Blair mais intuitivo, carismático e cosmopolita. Sem apoios suficientes, Brown cederia num célebre jantar com Blair, não sem antes lhe exigir a pasta das Finanças e a (contam os seus próximos) promessa de que um dia lhe cederia ao poder

Após a retumbante vitória de 1997, conduz um dos mais longos períodos de crescimento económico do Reino Unido. Mas no n.º 11 de Downing Street, a residência do chanceler, Brown alimenta uma outra imagem que não gosta de exibir. A de político rude e irascível, que conspira com o seu círculo íntimo contra Blair. É um segredo mal guardado que se torna público quando, meses antes das legislativas, o jornalista Andrew Rawnsley revela no seu novo livro como Brown, em momentos de fúria, insulta e intimida assessores. Já nesta campanha, esse traço voltou a sobressair quando um microfone da Sky News o apanhou a chamar "preconceituosa" a uma viúva que se mostrara preocupada com a imigração. Perante o escândalo, foi obrigado a pedir desculpas em público.

Nick Clegg
O liberal tolerante que prefere a moderação aos extremos

É um passado pouco comum aquele que Nick Clegg tem para apresentar aos britânicos. Tão incaracterístico que a imprensa se debateu durante semanas para perceber por que aderiu aos Liberais Democratas este filho de um banqueiro londrino que facilmente teria garantido um lugar entre a elite dos conservadores.


"Não foi certamente por pensar "quero sentar-me numa daquelas limusinas do Governo", porque, admitamos, há 65 anos que isso não acontece com nenhum liberal", gracejou, numa entrevista ao Telegraph no início de Abril, dias antes da sua aplaudida estreia no prime time televisivo.

Clegg, 43 anos, recorre à família para explicar opções políticas. Sim, o pai era um banqueiro da City, mas era também filho de uma aristocrata russa fugida da revolução de 1917 após o assassinato dos pais. E a mãe, holandesa, passou parte da II Guerra Mundial num campo de prisioneiros japonês na Indonésia, para onde o avô de Clegg, engenheiro da Shell, levara a família.

"São coisas que nos marcam. Logo em criança, aprendemos que as ideias são importantes e que os grandes dogmas podem ter efeitos desastrosos na vida das pessoas", disse ao Telegraph. Para alguém com esta história, explicou ao Guardian, há um "genuíno apego à Inglaterra liberal, que é tolerante e prefere a moderação aos extremos".

Apesar de se distanciar de Cameron, Clegg admite que nasceu num meio "claramente próspero" da sociedade britânica e descreve como "idílica" a infância passada nos abastados condados a oeste de Londres. Tal como o líder conservador, foi enviado para uma das melhores escolas do país, o colégio de Westminster, frequentado pelos "filhos da elite literata" da capital, incluindo a actriz Helena Bonham Carter ou o romancista Marcel Theroux, hoje um dos seus amigos mais chegados.

"Faltava-lhe a sofisticação metropolitana [...], mas ao mesmo tempo era muito popular entre os miúdos cool e tinha a estima dos professores por ser muito maduro e directo", recorda Theroux.

A Westminster seguiu-se Cambridge - não antes de uma breve incursão como treinador de esqui interrompida pela fractura de uma perna, uma desilusão que tentou aliviar escrevendo um "ilegível" romance inspirado em García Marquez. Acompanharia a licenciatura em Antropologia com várias actividades extracurriculares, do teatro (integrou o elenco de Cyrano de Bergerac, dirigido por Sam Mendes) ao ténis (foi capitão da equipa da faculdade), e foi membro de um clube de debate conservador. Alguns jornais noticiaram que teria chegado a aderir à estrutura juvenil dos tories - o que ele desmente, garantindo que era "profundamente alérgico" às discussões partidárias.

Ainda assim, é por recomendação de um reputado tory e amigo da família, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Peter Carrington, que em 1994, depois de uma efémera passagem pelo jornalismo, começa a trabalhar como conselheiro de Leon Brittan, o então comissário europeu do Comércio. O influente conservador não poupa nos elogios ao protegido - "fiquei surpreendido pela sua combinação de inteligência, entusiasmo e charme" disse ao Times - e recorda as várias tentativas para o convencer a filiar-se no partido. Mas o eurocepticismo dos tories desagradava a um poliglota (além do inglês e holandês, fala espanhol, francês e alemão) que depois de Cambridge estudou no prestigiado College d"Europe, onde conheceu a espanhola Miriam, hoje sua mulher e mãe dos seus três filhos.

A sua grande influência era já Paddy Ashdown, o histórico dirigente dos lib-dem, que o impressionou pela primeira vez quando, em 1989, defendeu que os detentores de passaporte britânico residentes em Hong-Kong deveriam ter direito a viver no Reino Unido após a passagem do território para a China. "Aquilo era altamente impopular. Mas para ele era muito claro, o país tinha uma obrigação para com estas pessoas."

Com o apoio de Ashdown, é eleito em 1999 para o Parlamento Europeu e, cinco anos mais tarde, chega à Câmara dos Comuns. Em 2007, ganha a liderança do partido, a quem deu nova imagem, mas os ideais, garantiu numa entrevista ao Guardian, mantêm-se: "Todas as coisas que agora são relevantes - a reforma política, as liberdades cívicas e o poder dos cidadãos - sempre foram preocupações liberais e são valores naturais para mim."

Sugerir correcção
Comentar