Análise: As eleições mais americanas que o Reino Unido já teve poderão afastar-nos dos EUA

Desde os anos 1980, os partidos Trabalhista e Conservador britânicos têm enviado alguns escuteiros para o outro lado do Atlântico para ver como é que o Tio Sam faz eleições. Mas em 2008 havia dezenas deles, testemunhando o sucesso de Barack Obama e voltando cheios de ideias revolucionárias sobre como conseguir a vitória para o seu próprio candidato no próximo escrutínio britânico.

Essas ideias estão a ser reforçadas por um bando de veteranos de campanha americanos. Anita Dunn, a antiga directora de comunicações da Casa Branca de Obama, está a ajudar os conservadores a polir a sua mensagem. O Partido Trabalhista recrutou Joel Benenson, o principal especialista de sondagens da campanha de Obama, assim como Michael Sheehan, perito em oratória que aparentemente sabe fazer com que os políticos "se soltem". (O actual primeiro-ministro, o trabalhista Gordon Brown, poderia sem dúvida beneficiar desta magia.)

Assim, quando as eleições britânicas se aproximam, não é surpresa que comentadores em ambos os lados do Atlântico se tenham deparado com uma campanha que se parece muito com a americana. Há Brown, a perguntar-nos se queremos ser amigos dele no Facebook; David Cameron, o jovem líder do Partido Conservador, a comunicar através do seu vídeo-blogue webcameron; e Nick Clegg, a face jovial dos Liberais Democratas, cujos seguidores no Twitter sofreram de uma febre de propagação viral.

Sarah Brown, Samantha Cameron e Miriam Clegg estão a fazer o seu papel de possíveis futuras primeiras-damas, tentado dar aos seus maridos um ar caseiro. Há pequeno-almoço com os Cameron, almoço com os Brown, um passeio no parque com os Clegg e os seus três rapazes - todos meticulosamente bem-comportados, absolutamente normais e, sim, um pouco americanos.

Margaret Thatcher admirava a força das eleições americanas, mas a Dama de Ferro teria preferido engolir sapos crus a deixar os media entrar na sua sala, enquanto Dennis se servia de mais um gin.

A ironia hoje da "relação especial" entre Washington e Londres é que esta eleição com um estilo abertamente americano tem o potencial de rearrumar a mobília política britânica e deixar a ilha mais longe da América e mais perto da Europa.

Este estilo cada vez mais presidencial das eleições parlamentares britânicas é em grande parte uma herança de Blair, o antigo primeiro-ministro, muito querido pelos americanos, que muitas vezes apelava ao eleitorado em geral, acima das cabeças do seu céptico Partido Trabalhista.

Blair pagou o seu preço quando foi substituído por Brown, que está agora desesperadamente agarrado às chaves do número 10 de Downing Street - em particular depois do seu comentário, atrás das câmaras mas apanhado pelo microfone, sobre uma "mulher preconceituosa", uma gaffe que sublinhou o fosso entre a boa disposição pública do primeiro-ministro e a sua resmunguice privada.

Tal como na América, o facto de se estar no poder é um fardo que os candidatos carregam durante a campanha, e, por isso, esta luta entre "esperança e mudança" e "experiência governativa em tempo de crise" soa familiar. O Labour está no poder há 13 anos, e os eleitores querem saber por que é que em todo este tempo falhou no cumprimento de muitas das promessas apaixonadas que está a fazer mais uma vez.

O escândalo penoso das despesas dos deputados - em que se descobriu que os deputados incluíram nas suas contas tudo e mais alguma coisa, desde esfregonas a bibelots em forma de pato - tornou-se um símbolo de abuso e arrogância, e a baixa consideração dos britânicos pelos seus representantes eleitos e as suas instituições rivaliza com a pouca estima que os americanos têm pelo Congresso.

Os primeiros debates televisivos entre candidatos a primeiro-ministro são talvez o símbolo mais óbvio da americanização da nossa campanha. O primeiro, a 15 de Abril, foi anunciado publicamente com uma fotografia no Times de Richard Nixon a debater com John Kennedy em 1960, assinalando que as eleições britânicas estavam final e verdadeiramente a entrar na era televisiva.

A comunicação em tempo real na Internet foi acompanhada por grupos de interesses (focus groups) de britânicos ligados a máquinas que gravavam cada reacção a cada palavra, notando cada reflexo com a precisão de um electrocardiograma. Os debates, regidos por 76 regras, foram mais coreografados do que uma dança medieval, e os candidatos ensaiaram até à morte. Isso também deveria ser familiar para o público americano.

Afinal, a televisão acabou por dominar todas as redes sociais. O debate foi televisão versão gladiadora no seu melhor, sobretudo porque criou a maior surpresa da campanha: a "cleggmania".

Emergindo de uma distante terceira posição nas sondagens, Nick Clegg, de 43 anos, fascinou um público insuspeito no primeiro debate, um terreno que lhe garantiu tempo igual no ar. Quando os dois principais candidatos olhavam zangados um para o outro, Clegg era o primeiro a olhar a câmara de frente e a dirigir-se aos milhões de pessoas que o viam de casa: "Não deixem que vos digam que a única escolha é entre dois velhos partidos que têm estado a passar a bola entre eles há 65 anos - fazendo as mesmas velhas promessas, quebrando as mesmas velhas promessas." Cameron devia estar a autoflagelar-se. Tinha sido sua a ideia de incluir Clegg.

Cameron recuperou nos debates seguintes. O cartão das pontuações para o confronto final mostrava que Cameron era o vencedor, Clegg vinha logo a seguir em segundo e Brown - o maior perdedor do boom de Clegg - num longínquo terceiro.

Clegg, cuja mulher é uma advogada espanhola e cujos filhos se chamam Alberto, Antonio e Miguel, é meio holandês e mostra-se completamente comprometido com o conceito de uma Europa mais unida, em que a Grã-Bretanha é um protagonista em vez de orbitar ao redor no papel de uma lua subversiva. A sua relação especial seria provavelmente com Bruxelas, não com Washington. Clegg já disse várias vezes que uma Europa mais unida iria ter um papel maior no palco mundial, ganhando mais respeito não só dos EUA mas também da China.

Na América, na altura em que os candidatos presidenciais republicano e democrata têm o primeiro embate na televisão, o eleitorado já os viu a ambos em vários debates nas primárias. Mas os debates britânicos - a primeira e única oportunidade para a maioria dos cidadãos de verem os seus líderes partidários combater - conseguiram, numa campanha curta, sublinhar os lados bons dos candidatos e exacerbar os maus.

Até estes debates, muito poucos eleitores sabiam como era Clegg fisicamente. Como dizia a revista "Economist", era menos uma questão do "diabo que se conhece" (Brown) ou o "diabo que não se conhece (Cameron), mas "quem diabo é Clegg?" Graças à combinação de eloquência e urgência de Clegg, os debates funcionaram a seu favor como um esteróide dopante.

E é por isso que a eleição se tornou uma corrida a três. As sondagens predizem com consistência o que é elegantemente chamado "Parlamento pendurado" - isto é, em que nenhum partido ganha a maioria, e é necessário um pacto informal ou uma coligação formal para se conseguir governar. Os mercados não gostam disso. A libra treme só de pensar nisso. Washington também está habituado a algo menos complicado do seu aliado mais próximo.

Apesar da popularidade crescente de Clegg - neste momento em segundo lugar nas sondagens -, o sistema eleitoral britânico faz com que seja virtualmente impossível para o seu partido dominar. Mas as prováveis negociações deixariam Clegg na posição de quem pode escolher o primeiro-ministro. Ele já disse qual é o seu preço: reforma eleitoral que permita ao seu partido ganhar um número de lugares no Parlamento que reflictam melhor a sua popularidade nas sondagens.

Se isso acontecer, o duopólio da política britânica passará à História e governos de coligação serão tão normais como são na Alemanha ou na Holanda, dando um pequeno empurrão à Grã-Bretanha em direcção ao continente. E isso é apenas mais uma maneira de mostrar como a eleição mais americana que a Grã-Bretanha já teve poderia levar às consequências mais não-americanas.

Exclusivo PÚBLICO/Washington Post
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