Governo alemão acusa Igreja Católica de ter criado "muro de silêncio" sobre pedofilia

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Vaticano já teve de reagir às denúncias Alessia Pierdomenico/Reuters

O Vaticano viu-se ontem obrigado a reagir à multiplicação de acusações de pedofilia, principalmente na Alemanha, onde a ministra da Justiça acusou na véspera a Igreja Católica de ter impedido a investigação de abusos sobre crianças e de haver levantado um "muro de silêncio" sobre casos que agora estão a ser denunciados.

"Em muitas escolas havia um muro de silêncio que permitiu abusos e violência", disse a ministra Sabine Leutheusser-Scnarrenberger a uma rádio alemã, depois de denunciados novos casos de pedofilia em estabelecimentos de ensino da Baviera. A BBC noticiou anteontem que em 18 das 27 dioceses alemãs estão a ser investigadas alegações de abusos sexuais.

Os desenvolvimentos "assustadores", como lhe chamou, somam-se às denúncias, no mês passado, de abusos de mais de cem crianças em escolas jesuítas, o que levou à apresentação de desculpas pelo líder dos bispos alemães, Robert Zollitsch, que depois de amanhã se desloca ao Vaticano.

O primeiro dos mais recentes casos é o abuso de membros do coro infantil da diocese de Ratisbona numa fase que inclui o período em que foi dirigido por Georg Ratzinger, irmão do actual Papa. Nos últimos dias surgiram outras duas revelações: a de sevícias de padres da escola beneditina de Ettal, Munique, sobre uma centena de rapazes nas décadas de 1950, 70 e 80; e a denúncia de abusos na escola dos franciscanos capuchinhos de Burghausen, nos anos 1980.

Na Áustria, foram também revelados presumíveis abusos em duas instituições religiosas, nos anos 1970 e 1980, e na Holanda a hierarquia católica anunciou ontem um inquérito "vasto, externo e independente" a quase 200 denúncias feitas este mês.

A maior parte das situações agora reveladas surgiram depois dos contactos mantidos no mês passado pelo Papa com o clero da Irlanda, quando Bento XVI se referiu à pedofilia como "um crime abominável" e "pecado grave". Muitos crimes já prescreveram e parte dos presumíveis autores morreram.

Sabine Leutheusser-Scnarrenberger considera que o "muro de silêncio" foi motivado por uma directiva de 2001. "Mesmo os casos mais severos de abuso eram objecto de segredo papal e não deviam ser divulgados fora da Igreja", acusou, referindo-se a uma carta do então cardeal alemão Joseph Ratzinger, hoje Papa, em que determinava que o Vaticano devia ser informado dos "delitos mais graves".

Particularmente reprovável

A ministra encara a directiva como sinal de que as situações deveriam ser examinadas internamente, sem recurso à Justiça, e que só depois a Igreja sugeriria aos culpados que se entregassem. Esta leitura foi considerada "absurda" pelo bispo Stephan Ackerman, que disse ao diário Frankfurter Allgemeine Zeitung ser prática da Igreja "envolver os procuradores" nas investigações.

A sucessão de denúncias levou, no entanto, o responsável católico a aceitar a ideia de uma "mesa-redonda", no próximo dia 23 de Abril, com líderes políticos, dirigentes protestantes e vítimas, para discutir o problema e eventuais compensações. "É um passo importante no objectivo comum de enfrentar o problema rapidamente", disse, citado pela Reuters, numa alusão a uma anterior proposta da titular da pasta da Família, Kristina Schroeder. A Igreja começou por rejeitar a ideia, alegando, como lembra a AFP, que não se tratava de "um problema específico" da instituição.

Numa reacção às sucessivas notícias, o porta-voz do Vaticano, padre Frederico Lombardi, elogiou ontem a "rapidez" e "determinação" das igrejas alemã, austríaca e holandesa face à "tormenta" da pedofilia. As conferências episcopais "mostraram vontade de transparência e, num certo sentido, aceleraram a revelação dos problemas convidando as vítimas a falar, mesmo que se tratasse de casos antigos", disse, citado pelo Serviço de Informação do Vaticano. "Concentrar apenas as acusações na Igreja leva a falsear a perspectiva", acrescentou, reconhecendo, porém, que os erros do clero são "particularmente reprováveis".

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