Muro de Berlim: Gorbatchov volta a fazer cair a cadeia dos dominós

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Hoje será derrubado um dominó de 1,6 quilómetros Pawel Kopczynski/Reuters

Hoje, ao fim do dia em Berlim, uma cadeia de dominós gigantes desmoronar-se-á perante dezenas de milhares de berlinenses, líderes mundiais e televisões de toda a parte.

O empurrão no primeiro dominó será dado por Mikhail Gorbatchov, talvez por Lech Walesa, ou por ambos. O desmoronamento da cadeia representa a queda do Muro, a 9 de Novembro de 1989, a reunificação alemã e, enfim, a "reunificação europeia".

Hoje, ao fim do dia em Berlim, uma cadeia de dominós gigantes desmoronar-se-á perante dezenas de milhares de berlinenses, líderes mundiais e televisões de toda a parte. O empurrão no primeiro dominó será dado por Mikhail Gorbatchov, talvez por Lech Walesa, ou por ambos. O desmoronamento da cadeia representa a queda do Muro, a 9 de Novembro de 1989, a reunificação alemã e, enfim, a "reunificação europeia".

Subliminarmente, vai mais longe: evoca a cadeia que, começando na greve polaca de Gdansk (1980) e na perestroika de Gorbatchov na URSS (1985), culminará no fim dos regimes comunistas em Varsóvia, Budapeste, Berlim-Leste, Praga, Sófia e Bucareste - e pouco depois na implosão da própria URSS (1991). O programa oficial prevê que seja Gorbi a dar o "piparote", mas Walesa reclama para a Polónia essa honra. Ambos têm razão.

Estarão presentes na "Festa da Liberdade" os dirigentes dos 27 países da União Europeia. Terão natural destaque a chanceler alemã, Angela Merkel, e os líderes dos quatro países que administraram a Berlim do pós-guerra: o russo Dmitri Medvedev, o francês Nicolas Sarkozy, o britânico Gordon Brown; Obama faz-se representar por Hillary Clinton. Durão Barroso representa a UE e José Sócrates Portugal.

Das figuras históricas, apenas estará Gorbatchov. Tanto o chanceler da reunificação, Helmut Kohl, como o antigo Presidente George W. H. Bush, ambos doentes, não comparecem. Estiveram em Berlim, com Gorbatchov, no dia 31, numa mesa-redonda que abriu as comemorações.

Fim do século XX

O ano de 1989 teve ressonância planetária. É o fim formal da Guerra Fria, embora, de facto, ela já tivesse desaparecido da Europa. Com a implosão soviética, os EUA emergem como "hiperpotência solitária".

Os países do Centro e Leste da Europa iniciam um doloroso processo de reconversão, que culminará na sua integração na União Europeia.

O primeiro efeito de 1989 é a abertura de um efémero período de ilimitadas ou cândidas expectativas. Dois livros balizam este momento. Em "O Fim da História" (1992), o americano Francis Fukuyama prevê uma marcha acelerada para a democracia e para o capitalismo, novo paradigma universal. No mesmo ano, outro americano, Samuel Huntington, publica o artigo "Clash of Civilizations?", esboço do livro de 1996, em que apresenta outro paradigma, o dos conflitos de culturas no século XXI.

No ano do bicentenário da Revolução Francesa, historiadores assinalaram que 1989 significou o fim da "temática do futuro radioso", inaugurada em 1789. "A divindade histórica treme nas suas bases", resumiu o francês François Furet.

Para a Europa, 1989 tinha ainda outro significado. Marcava o fim do "curto século XX" (Eric Hobsbawm), inciado em 1914 com a I Guerra Mundial, uma guerra civil europeia, com mais de 20 milhões de mortos, que destruiu valores, subverteu o mapa político europeu, deu origem aos fascismos, ao nazismo e à revolução comunista na Rússia. É esta era que também se encerra em 1989, ou melhor, em 1991.

Desordens globais

As novidades não demoraram. O Iraque de Saddam Hussein interpretou mal o fim das rivalidades da Guerra Fria e invadiu o Kuwait. A Guerra do Golfo, ainda antes do fim da URSS, confirmará o estatuto de hiperpotência dos Estados Unidos. Muda o equilíbrio de todo o Médio Oriente, com ex-aliados soviéticos a participarem na guerra ao lado de Bush.

No solo europeu, os demónios nacionalistas desintegravam a Jugoslávia, desta vez perante "a impotência das potências", fazendo reemergir a barbárie que se julgara desaparecida no "milagre" de 1989. E os contemporâneos debatiam-se ainda com outra surpresa: a globalização arrastava, como seu reverso, uma "fragmentação universal".

Em África, na América Latina ou na Ásia também os dados mudam. Recua, por exemplo, a influência de Cuba, enquanto numa Angola em intensa guerra civil o MPLA inicia a sua viragem americana. Na América Latina, vai abrir-se um longo ciclo de democratizações. As ditaduras militares passam de moda.

Na Ásia, o lento fim da Guerra Fria traduz-se em sucessivos realinhamentos, ora numa aproximação à América, ora numa intensa recusa dos "valores ocidentais", contrapondo-lhe os "valores asiáticos". Era uma forma de avisar os ocidentais de que não seriam os juízes dos padrões de democracia, dos direitos humanos e das intervenções humanitárias.

O 11 de Setembro muda de novo quase tudo, com a teorização da "guerra ao terror". Ideia equívoca, disse Colin Powell: o terrorismo deve ser tratado "como problema criminal, pois não tem a URSS por trás".

A "guerra ao terror" levou ao Iraque e à erosão do poder americano. O estatuto de hiperpotência dilui-se, novas potências emergem e a América de Obama já é aquela que também precisa dos outros e reconhece os limites do seu poderio. O pós-Guerra Fria está encerrado.

Vinte anos depois, é bom recordar outro ponto. A História não terá mudado apenas por "necessidade", pelo inexorável declínio do comunismo, mas por também pelo "factor humano": a ousadia e as ilusões de Gorbatchov. Ele propôs-se arrancar a Rússia da "estagnação", modernizando-a economicamente, o que não concebia sem uma abertura política. O mesmo debate atravessou a China, mas Deng Xiaoping fez a aposta contrária: "perestroika sem glasnost", a marcha controlada para o capitalismo sob um regime autoritário.

Gorbi perdeu o poder e perdeu a URSS. Foi derrotado no que parecia ao seu alcance, a reforma económica, mas venceu no que parecia impossível: o desmantelamento de um regime totalitário. Radica aqui a diferença entre o novo e o velho mundo.

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