Falhas de medicamento utilizado no tratamento do cancro já estão a ser resolvidas

Desde a notificação da ruptura, a 12 de Abril, chegaram do estrangeiro três mil embalagens e mais 6100 unidades são esperadas nas próximas semanas.

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Falhas no acesso ao medicamento injectável terá causado o reajuste de alguns tratamentos Daniel Rocha/Arquivo
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Um medicamento utilizado no tratamento de vários tipos de cancro entrou em ruptura em Abril e a sua reposição normal só deverá ocorrer em Junho, no caso de um dos laboratórios que o fornecem, e a 1 de Julho, no caso de outro. A falha no acesso está a ser colmatada com reajustes à terapêutica utilizada e também com o recurso à compra do Fluorouracilo, o medicamento em causa, no estrangeiro, para a qual o Infarmed já emitiu várias autorizações de utilização especial.

Segundo notícias avançadas nesta sexta-feira pelo Jornal de Notícias e a Rádio Renascença, pelo menos o Hospital de Guimarães e a Unidade Local de Saúde do Alto Ave tiveram de reajustar os tratamentos de alguns doentes e activar planos de contingência, por causa da situação de ruptura do Fluorouracilo, que foi comunicada à Autoridade Nacional do Medicamento, o Infarmed, em Abril, por parte dos dois laboratórios que abastecem o mercado português: o Accord e o Hikma. A razão apresentada para esta ruptura, segundo esclarece a autoridade do medicamento em Portugal, em resposta escrita, foi “o aumento da procura, sendo que o abastecimento do Fluorouracilo 50mg/ml apresenta no actual momento constrangimentos na generalidade dos países europeus”. Nenhum doente terá, contudo, visto interrompido o tratamento por causa desta situação.

O Infarmed garante que, assim que foi notificado da ruptura temporária de reservas do medicamento, a 12 de Abril, foram desencadeadas as ferramentas necessárias para tentar controlar os efeitos que pudessem advir desta situação. “Para mitigar o impacto destas rupturas (com um consumo mensal de aproximadamente 5000 embalagens), o Infarmed solicitou aos distribuidores por grosso especializados na importação destes medicamentos a submissão de pedidos de autorização de utilização excepcional (AUE) com rotulagem em língua estrangeira”, esclarece, por escrito, fonte deste organismo.

A mesma fonte acrescenta que, graças a este mecanismo, foram já concedidas 11 AUE para o medicamento e que chegaram a Portugal 3000 embalagens, desde 12 de Abril, estando prevista a chegada de mais “6100 unidades, estando os hospitais a ser abastecidos, devendo articular com os seus distribuidores”.

Os dois laboratórios apontaram datas para a reposição normal do medicamento — 11 de Junho, no caso do Accord, e 1 de Julho no do Hikma —, mas o Infarmed admite ser “possível que estas datas possam ser antecipadas pelos titulares”. Até lá, relembra o Infarmed, além do acesso aos medicamentos chegados graças às AUE, é também possível recorrer, como tem sido feito, aos “ajustes terapêuticos”, cabendo aos médicos assistentes tomar essa decisão, “de acordo cm as necessidades e especificidades dos seus doentes”.

A autoridade do medicamento não indica se rupturas com o mesmo medicamento já ocorreram recentemente, mas especialistas ouvidos pelo JN e a RR atribuem a ocorrência ao baixo custo que o Fluorouracilo tem, e que o torna pouco atractivo para os laboratórios que o fabricam, em detrimento de outros medicamentos mais caros. Tal é reconhecido pelo bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Hélder Mota Filipe, ao JN e pela oncologista e dirigente sindical Joana Bordalo e Sá, que refere: “O 5-Fluorouracil é um fármaco muito usado em cancros da cabeça e pescoço e do aparelho digestivo. O problema é que é muito antigo e, por isso, muito barato, portanto, não dá lucro à indústria farmacêutica, que se desinteressa.” A possibilidade de o medicamento passar a ser fabricado por laboratórios do Estado (a par de outros, que são importantes para os doentes mas de baixa rentabilidade para as farmacêuticas) é defendida por esta médica, enquanto o oncologista Paulo Cortes aponta para a possibilidade de se alterar as regras de fabrico, a nível europeu, dizendo, à RR: "Aquilo que nós queríamos era que houvesse produção, é importante que se diga que não é um medicamento tecnologicamente difícil de produzir e que justificava que fosse tomada uma posição conjunta a nível europeu para poder obviar a esta situação de falha destes medicamentos que ocorrem para este e para outros fármacos que são produzidos fora do espaço europeu, muitas vezes em países terceiros. Nós não podemos estar dependentes de fornecedores que podem deixar de fornecer estes fármacos. Enfim, não acho que seja admissível. Acho que devia haver aqui uma estratégia pensada a nível global.”

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