18 novidades nas estantes das livrarias

Dia, novo romance de Michael Cunningham; Os Nossos Desconhecidos, livro de contos de Lydia Davis; e um novo volume dos diários de Marcello Duarte Mathias.

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Nas livrarias a 20 de Maio

CONTOS

Uma nova recolha de ficção breve da escritora norte-americana que venceu o Man Booker International Prize em 2013 pelas suas histórias originais e filosóficas. Em Os Nossos Desconhecidos, revela a editora, “as conversas ouvidas por acaso nem sempre são entendidas, uma carta registada é confundida com uma borboleta branca rara, duas crianças que aprendem a falar identificam uma bola de pingue-pongue com um ovo, e alguns comentários murmurados revelam a verdade de um casamento”. Deliciem-se com este exemplo da mestria de Lydia Davis intitulado Só Um Pouco: “Agnès Varda, a realizadora de cinema francesa,/ disse numa entrevista/ que gostava de costurar um pouco,/ cozinhar um pouco, jardinar um pouco, cuidar um pouco de bebés…/ mas só um pouco.//”

Nas livrarias a 14 de Maio

NÃO-FICÇÃO

“Vejo o momento ainda em câmara lenta. Os meus olhos seguem o homem que corre, saltando do meio do público para se aproximar de mim. Vejo-me a levantar-me e a voltar-me para ele. (...) Levanto a mão esquerda, num momento de autodefesa. Ele crava-lhe a faca. A seguir há muitos golpes, no pescoço, no peito, no olho, em toda a parte. Sinto as pernas fraquejarem e caio.” Salman Rushdie não usa o nome daquele que o tentou assassinar. Chama-lhe A. “Este ‘A’ não cuidou de se informar sobre o homem que decidira matar. Segundo ele próprio reconheceu, leu escassamente duas páginas do que eu escrevi e viu um par de vídeos meus no YouTube, e não precisou de mais. Daqui podemos deduzir que, fosse o ataque pelo que fosse, não foi por causa de Os Versículos Satânicos. Vou tentar neste livro compreender por que razão foi.” Podem ler a recensão no Leituras.

DIÁRIOS

“Resoluções definitivas… Decidir não mais escrever diários é como deixar de fumar. Passados uns tempos, volta-se atrás com mais ímpeto. Fumo do meu cigarro (...) [7 de Agosto 2017].” Este é o sexto volume do diário de Marcello Duarte Mathias, que vai de 2017 a 2023 e está inserido no conjunto a que o premiado escritor e diplomata deu o nome de No Devagar Depressa dos Tempos. “Este andar distraído por entre coisas e loisas, meio turista, meio flâneur. A cada um o seu DNA ou os seus vários DNAs. Seduzido aqui, solicitado acolá, entusiasmado por isto ou por aquilo, espectador dos outros e de mim mesmo entre os outros. A olhar-me à distância, como se fosse um deles. E assim o tempo foi correndo à minha frente, e eu fui-me deixando distanciar. E fiquei aquém. Depois inventei propósitos e trajectórias. Alguns terão talvez acreditado. Eu, não. (…)”, escreveu a Duarte Mathias a 4 de Novembro do ano passado.

JÁ NAS LIVRARIAS

NÃO-FICÇÃO

Este novo livro da autora de Um Feminismo Decolonial “propõe uma leitura crítica do chamado ‘museu universal’ e reflecte sobre a forma que poderia assumir um ‘pós-museu’ numa perspectiva decolonial”, lê-se na badana. A curadora francesa, mas também politóloga, historiadora, activista e especialista em estudos pós-coloniais, coloca a questão: “Será possível a decolonização do museu ocidental?” Para ela, “não basta expor obras ‘decoloniais’ (quais seriam os seus critérios e quem os estabeleceria?), diversificar o que está pendurado nas paredes, falar de preservação e de conservação num estado de guerra permanente contra as pessoas subalternas e as indígenas; é preciso imaginar o que poderia ser um ‘pós-museu’, ou seja, um espaço de exposição e transmissão que leve em conta análises críticas na arquitectura, na História e nas artes plásticas.”

CRÓNICAS

O poeta, ficcionista e ensaísta norte-americano Jim Harrison morreu em 2016. A Quetzal reuniu neste livro as suas melhores crónicas. “Perguntamo-nos, não é verdade, por que razão não somos suficientemente astutos em assuntos internacionais. É, sem dúvida, por não comermos com entusiasmo. Estamos sempre a ser massacrados por pessoas com formas superiores de dietas, com comida mais interessante, tecnicamente falando. Mitterrand fez de Reagan um alvo fácil na Europa, sobretudo pelo tipo de alimentos superiores que come. Sejamos francos, Mitterrand bebe Bordéus e Borgonha de qualidade superior, come alho, trufas, fígado de ganso, várias formas de tripas, molejas, intestinos, mão de vaca gelatinosa à ceia. Em contrapartida, o que comem os alemães apáticos? Ou, mais importante ainda, veja-se a dieta de Reagan. É um pesadelo (…).”

ENSAIO

Estereótipos de género persistem

Já no seu livro O Conflito — A Mulher e a Mãe, que saiu em França e em Portugal pela Relógio d’Água em 2010, Elisabeth Badinter mostrava que o desejo de ter filhos “não é constante nem universal”: algumas mulheres desejam ter filhos, outras já não os querem ter e outras nunca quiseram. “Desde que tenham escolha, existe uma diversidade de opções e já não é possível falar-se de instinto ou de desejo universal”, concluía.

Neste seu novo ensaio, Messieurs, encore un effort…, que acaba de sair em França na Flammarion (ainda sem edição portuguesa), a filósofa francesa e especialista no pensamento iluminista faz um alerta para a diminuição da natalidade que em alguns países tem sido salva pelos emigrantes que chegam com as suas famílias.

Analisa “o trabalho invisível das mulheres” cuja vida profissional “não se traduziu” nestas últimas décadas “numa partilha mais equitativa das tarefas domésticas e da educação das crianças” e pede aos homens que, apesar das mudanças dos últimos 50 anos, façam ainda um esforço para partilhar tarefas aliviando as mães do século XXI.

“Na Europa dos 27, a média de filhos por mulher era de 1,54 em 2010. Doze anos mais tarde, essa média não passa dos 1,50. A taxa de natalidade é de nove crianças por mil habitantes, enquanto a taxa de mortalidade é de 13. Os países do Sul (Espanha, Itália, Portugal) são os mais afectados e os países do Norte são os menos. A Europa está a despovoar-se.” Se nada mudar, acrescenta Elisabeth Badinter, a população europeia passará dos 744 milhões actuais para 703 milhões em 2050.

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Elisabeth Badinter e Simone de Beauvoir em 1983 DUC FRANÇOISE/GETTYIMAGES

“Esta diminuição da natalidade nos países desenvolvidos, que ameaça tornar-se estrutural, é sinal de quê?”, questiona a feminista. “Se a maternidade já não é tão invejável é porque a luta pela igualdade entre homens e mulheres ainda não terminou.”

Badinter lembra que é preciso viajar até aos anos 1970, e ao início da “revolução” que iniciou o caminho para a igualdade entre sexos, para se compreender o que vivemos hoje. Simone de Beauvoir defendia a mulher como senhora do seu destino sem poder ser reduzida ao seu papel de mãe; Betty Friedan questionava a mulher como eterna dona de casa sem desejo de ter uma carreira e ser independente. Sabemos que hoje as mulheres que mais longe chegam na vida profissional são as que mais adiam a maternidade.

Em média, têm o primeiro filho aos 30,9 anos, quando em 2000 os tinham aos 27,8 anos. Onde é que não se avançou? Apesar de as leis terem mudado, “os progressos são mais lentos quando se trata da intimidade dos casais e da persistência de estereótipos de género.” Por isso, meus senhores, façam só mais um esforço...

POESIA

“Renatur agora!”, este livro reúne poemas escritos durante os últimos cinco anos pelo escritor e investigador português Álvaro Seiça — doutorado em cultura digital pela Universidade de Bergen, na Noruega, onde vive —, que co-organizou a exposição e o catálogo Obras Proibidas e Censuradas no Estado Novo (2022) na Biblioteca Nacional de Portugal e a colecção Biblioteca da Censura (publicação PÚBLICO/A Bela e o Monstro). São “poemas líricos e políticos com temática e forma diversas, mas sob uma noção comum de desobediência individual e colectiva”, explica a editora. ”Escrever é um acto desobediente — reinvenção da linguagem, do corpo, do espaço social, mas também liberdade e protesto político.”

FICÇÃO

“Isabel imagina-se sentada nas escadas durante os próximos anos. Podia ser uma protagonista de um filme europeu: Mulher na Escadaria. Uma mulher paralisada pelo seu próprio egoísmo e banalidade, uma mulher que sabia que deveria adorar a sua vida mais do que adorava, embora não parecesse ser capaz de adorar a sua vida a não ser em momentos raros e inconsequentes. Viu uma coruja num local onde, racionalmente, não poderia haver uma coruja e, sabendo que as corujas simbolizam algum tipo de infortúnio — os guinchos e as garras a descerem de um céu nocturno aparentemente tranquilo —, descobre que não consegue subir nem descer as escadas. Portanto, aqui está ela.” Este romance de Michael Cunningham conta a história de uma família (Isabel, Dan e os filhos) nos dias 5 de Abril de 2019, 5 de Abril de 2000 (durante a pandemia) e 5 de Abril de 2021.

FICÇÃO

“Tranquei a porta e me olhei no espelho. Chorei mais um pouco e me perguntei por que eu era tão feia; por que meu cabelo era daquele jeito; por que eu era preta. E juro que, se pudesse, teria quebrado aquele espelho, teria sido violenta com aquela imagem que eu detestava, mas, em vez disso, preferi apenas morder meu lábio inferior até que ele sangrasse um pouco. […] Engoli o choro e a dor. Decidi que era assim que eu iria lidar com o sofrimento dali para a frente — não se empurra nenhuma mágoa para debaixo do tapete.” Este é um excerto do romance que o escritor brasileiro Jeferson Tenório (n. 1977) escreveu em 2018, antes do multipremiado O Avesso da Pele, e que agora se publica em Portugal. Estela sem Deus reflecte sobre o papel das religiões diante das desigualdades sociais. Uma adolescente negra, que vive na periferia, num quotidiano de violência e de pobreza, tem o sonho de ser filósofa.

CARTAS

“Evitei essa conversa por muito tempo. Confesso que sucessivos lutos — meu pai morreu um ano após minha mãe — me fizeram agir no automático. (…) No enterro de minha mãe, a mãe de uma amiga me disse: ‘Não chore, você precisa ser forte pelos seus irmãos.’ Sei que ela não falou por mal. (…) Essa imagem da mulher negra forte é muito cruel. As pessoas se esquecem de que não somos naturalmente fortes. Precisamos ser porque o Estado é omisso e violento. Restituir a humanidade também é assumir fragilidades e dores próprias da condição humana. Somos subalternizadas ou somos deusas. E pergunto: quando seremos humanas?” A obra da académica brasileira Djamila Ribeiro (n. 1980), mestre em Filosofia Política e coordenadora do projecto Feminismos Plurais (colecção de livros sobre raça e género publicados por pessoas negras), chega finalmente a Portugal, pela Caminho.

NÃO-FICÇÃO

“A beleza está em todo o lado e tem lugar mesmo num tempo acelerado e saturado de estímulos como o de hoje. É importante falar dela e não a perder de vista porque sem beleza a vida não vale a pena.” Neste seu primeiro livro, o maestro fundador da Orquestra Sem Fronteiras Martim Sousa Tavares, com a qual ganhou o Prémio Carlos Magno para a Juventude do Parlamento Europeu, e director artístico do Festival de Sintra, parte da sua experiência pessoal como artista para propor “uma reflexão sobre o modo como nos relacionamos com a arte nas suas múltiplas expressões: a cena de um filme de João César Monteiro, as subtilezas de uma partitura de Mahler ou a fixação por Veneza, cidade a que regressa todos os anos”, lê-se na contracapa desta obra onde o neto de Sophia de Mello Breyner Andresen assume os seus gostos e não procura ser consensual.

CRÓNICAS

O escritor que fez 94 anos e lançou Cravos e Ferraduras (edição Quetzal), “uma espécie de resumo dos últimos anos da vida portuguesa, um retrato do país através de pequenos apontamentos sobre personagens e vidas comuns, populares, rurais, desconhecidas”, como descreve a editora. "É sobre os portugueses de província, os manhosos e malandros da pátria, que o escritor se deixa espraiar em contos e crónicas com figuras que não merecem a nossa piedade e que tantas vezes nos enternecem. Trocando os nomes e avariando as grandes teorias sobre o funcionamento da pátria, estes textos de J. Rentes de Carvalho retratam o país – com humor, cumplicidade, atrevimento, ou uma compreensão que não pede distância, mas proximidade. Os comportamentos destas personagens não são, na maior parte das vezes, dignos de elogio ou de serem escolhidos como exemplo. Não receberão medalhas no Dia de Portugal. Mas são, arrancados à vida desconhecida da província, das vilas e aldeias da pequena pátria, um dos melhores retratos de todos nós, frívolos ou sentimentais, mentirosos ou com um fingido amor pela verdade."

HISTÓRIA

“Foi uma conversa de acaso na cozinha de nossa casa que me deu a ideia para este livro. Laurence Rees veio até Manchester para discutir comigo o conceito do que viria a ser a série de televisão Auschwitz. Os Nazis e a ‘Solução Final’ — a terceira série em que colaborámos. Enquanto esperávamos que a cafeteira levantasse fervura, Laurence mencionou casualmente que, se fosse historiador, gostaria de escrever um livro sobre o ano de 1941 — em sua opinião, o ano mais importante da história moderna. A ideia ficou-me na cabeça”, conta o historiador britânico Ian Kershaw no livro em que aborda as resoluções que mudaram o mundo tomadas entre Maio de 1940, quando a Grã-Bretanha continuou a lutar contra a Alemanha nazi, e o Outono de 1941, quando Hitler ordenou a exterminação dos judeus.

MEMÓRIAS

“A sensação que eu tinha é que as pessoas estavam completamente amorfas e dominadas, a miséria era tanta que ninguém tinha capacidade sequer para compreender porque é que ela existia tão violentamente. A aldeia era pequena, tinha à volta de 50 casas, menos de 50 famílias, mas se eu pergunto se quero procurar o início da minha revolta, encontro-o na minha aldeia. Durante a clandestinidade, eu passava muito naquela zona, porque nós tínhamos aí um aparelho de fronteira.” As memórias de Carlos Antunes (1938-2021), co-fundador das Brigadas Revolucionárias, foram recolhidas pela sua enteada, Isabel Lindim, jornalista que tem estudado o Partido Revolucionário do Proletariado.

FICÇÃO

O Livro do Verão é belo, caloroso, e possui a sabedoria que podemos adaptar às nossas vidas quotidianas”, considerou Liv Ullmann sobre esta novela em que uma artista e a sua neta de seis anos passam alguns meses numa pequena ilha no golfo da Finlândia. A finlandesa Tove Marika Jansson (1914-2001), que em 1966 recebeu o Prémio Hans Christian Andersen de literatura infantil pelo conjunto de uma obra que inclui O Cometa na Terra dos Mumins e A Família dos Mumins, é também a autora das ilustrações. “ — O que estás a fazer? — perguntou a pequena Sophia. — Nada — respondeu a avó. Porém, logo acrescentou, zangada: — Quer dizer, ando à procura da minha dentadura postiça.”

FICÇÃO

“Enquanto autora, de tempos a tempos são-me oferecidas histórias que, no fundo, são bem mais do que isso: são histórias que carregam em si mundos inteiros. Uma dessas oferendas deu corpo ao presente livro. Quase se poderia dizer que é baseado em circunstâncias verídicas, ou então que foi a infância de uma pessoa real que lhe serviu de base. Trata-se de uma dádiva extremamente preciosa, que impõe e merece tratamento consciencioso e respeitoso”, avisa Anna Kim, escritora de ascendência coreana a viver na Áustria. Uma criança é dada para adopção por uma telefonista solteira na década de 1950. A instituição que a recebe apercebe-se de que o bebé é mestiço, o que representa um escândalo num tempo sujeito ainda a rigorosas leis de segregação racial. A obra foi nomeada para o Prémio do Livro Alemão em 2022 e foi finalista do Prémio do Livro Austríaco.

NÃO-FICÇÃO

“Este livro analisa o período revolucionário tomando a questão urbana como lente para ler a afirmação da democracia portuguesa. O que significou construir um regime democrático na cidade? Para responder a esta pergunta, a autora Ana Drago [actualmente investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra] foi ao encontro dos actores, das políticas e das instituições — nos debates da Assembleia Constituinte, nos programas habitacionais lançados no pós-25 de Abril, nas propostas dos partidos políticos sobre participação e habitação, nas leituras de arquitectos e urbanistas sobre planeamento urbano e metropolização. E também nas respostas do novo poder local democrático à crise habitacional nas periferias dos anos 70 e 80”, resume a editora.

NÃO-FICÇÃO

Neste livro, a doutorada em História e professora no Iscte Luísa Tiago de Oliveira conta a história da organização clandestina que esteve na génese do sucesso do MFA. “O cerne da acção do 25 de Abril foi obra sobretudo do ramo das Forças Armadas mais numeroso, com muito maior implantação no terreno e, por isso, mais envolvido na Guerra: o Exército. A pouca visibilidade da Marinha na conspiração e, em boa medida, na própria operação militar do dia 25 contrasta com a sua forte presença no período revolucionário posterior (1974–1976). Este livro centra-se neste ramo das Forças Armadas, que desempenhou um papel incontornável na transição para a Democracia”, explica a editora.

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