A Europa na encruzilhada de saber competir pela Inteligência Artificial

Em Portugal temos de saber acompanhar o passo. Não basta transpor as regras europeias ou demorar vários anos a definir estratégias que ficarão datadas.

Ouça este artigo
00:00
03:39

Em diferentes fóruns de debate sobre inovação, surge cada vez mais uma observação comum: "Os Estados Unidos inovam, a China copia, a Europa regula".

Esta afirmação, mais do que arrancar alguns sorrisos, deve convidar-nos a refletir sobre o caminho que a Europa está a seguir na inovação.

Claro que foi essencial regular sob os princípios da proteção de dados à luz dos valores europeus, por exemplo. Ou sobre a interoperabilidade, fundamental para uma Europa sem fronteiras. Nada disto está em questão.

O problema é que os desafios da transformação da economia e da sociedade são cada vez maiores e têm impactos mais rápidos, e a Europa está a ficar para trás.

Ficou para trás quando não se conseguiu impor tecnologicamente com grandes empresas de software que se mantivessem europeias.

Ficou para trás na disponibilização de infraestrutura em larga escala, como a cloud, afinal tão fundamental para garantir serviços avançados e que hoje teriam sido essenciais como base para a disponibilização da inovação através da Inteligência Artificial (IA), já com uma orientação europeia.

E é neste último domínio que o nosso atraso se pode revelar ainda mais perigoso.

O Regulamento Europeu da IA – o AI Act – começou a ser desenhado há mais de quatro anos. Só que, mesmo já aprovado, com a velocidade a que se desenvolvem as novas soluções de IA, nomeadamente a generativa como o GPT, o texto final tem sido sucessivamente corrigido.

Não está em causa, claro, a sua necessidade. O AI Act é pioneiro e sobretudo essencial. O problema é a demora na sua implementação. Acresce ainda que, na Europa, este regulamento parece até ser um sinónimo de Inteligência Artificial, quando temos necessariamente de falar simultaneamente de espaço para inovar, para testar e sobretudo para acompanhar.

Coloca-se, pois, a questão: ainda vamos a tempo de acompanhar a velocidade de desenvolvimento da IA?

Os Estados Unidos também emitiram, recentemente, um conjunto de recomendações que se destinam sobretudo aos grandes gigantes tecnológicos, com semelhanças à versão europeia, mas muito mais no espírito voluntário de adesão tipicamente americano.

Um artigo recente do Politico dá conta da divisão entre a perspetiva mais reguladora de vários Estados-membros e outra mais competitiva, liderada pelo próprio presidente francês, em apoio ao ecossistema de IA em desenvolvimento em França.

Países como Espanha já desenvolveram as suas estratégias nacionais e estão até a criar as agências que vão acompanhar a IA.

Estamos a correr contra o tempo. Em ano de eleições europeias, é fundamental acelerarmos no modelo de competitividade.

E também em Portugal temos de saber acompanhar o passo. Não basta transpor as regras europeias ou demorar vários anos a definir estratégias que ficarão datadas. É preciso trabalhar com as empresas, criar condições e inclusive, nesta altura, pensar mesmo num “controlo de danos”. Ou seja, temos de trabalhar com as gigantes tecnológicas para identificar onde ainda é possível acrescentar valor. Por exemplo, a importância dos modelos de linguagem desenvolvidos dentro dos Estados-membros ou num catálogo de serviços de origem europeia.

E é ainda fundamental debater e agir no que precisa de ser adaptado no trabalho para enfrentar os desafios da IA, como na área da educação ou na saúde. Tecnologias como a IA generativa irão transformar profundamente a forma como aprendemos, por exemplo. E não é possível simplesmente ignorar o que já é uma realidade. É necessário saber dar competências para aproveitar estas tecnologias, mas também para conhecer os riscos e limites.

Temos, pois, de ser mais rápidos, não só a refletir, mas sobretudo a entrar no terreno antes que seja demasiado tarde.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Comentar